GRACILIANO RAMOS: DO INTERIOR À IMORTALIDADE PARTE III
O modelo de gestão adotado por Graciliano desagradara aos políticos de Palmeira dos Índios e faltou-lhe as condições políticas para permanecer como Chefe do Executivo do Município, o que o levou a renunciar, em abril de 1930.
Convidado pelo Governador Álvaro Paes para a diretoria da Imprensa Oficial, não hesitou em aceitar o cargo na estrutura do Estado de Alagoas, parte disso deveu-se às dificuldades financeiras que o fizeram fechar as portas da Loja Sincera.
Agora, em Maceió, Graciliano passou a frequentar o Café Central, onde se reunia com Aurélio Buarque de Holanda; Jorge de Lima; o escritor paraibano José Lins do Rêgo, fiscal de tributos em Alagoas; o poeta alagoano José Auto e a escritora cearense Raquel de Queiroz, sua esposa; o pintor paraibano Santa Rosa, funcionário do Banco do Brasil; entre outros. Este último o responsável pela divulgação do primeiro romance de Graciliano no circuito literário carioca, que levou a Editora Schmidt, do poeta Augusto Schmidt, a ter interesse na sua publicação, segundo contou anos depois o escritor baiano Jorge Amado, que também passou a vir a Maceió, com certa frequência.
A pauta principal, no Café Central, era o fim do modernismo e os romances nordestinos iniciados em 1930. Elogiando os romancistas do Nordeste, Graciliano disse que eles não importaram as coisas velhas da Europa e escolheram falar dos nossos problemas: “esses escritores são políticos, são revolucionários… os seus personagens mexem-se, pensam, sentem como nós…” Essa declaração, entre outras tantas, mostra o papel contra hegemônico que Graciliano atribuía à Literatura – “a verdade é que nem todos os livros cantam loas aos tiranos”, disse ele.
Antes de terminar o ano de 1930, Caetés foi enviado ao editor. Schmidt achava-se deverasmente entusiasmado com o que estava lendo e absolutamente certo do sucesso que o romance alcançaria. Mas a crise de 1929, que atingiu o capitalismo internacional, não haveria de deixar ileso o mercado editorial, e isso impediu a publicação do romance. Já a tomada do poder da nação, liderada por Getúlio Vargas, em 1930, levou ao afastamento do Governador Álvaro Paes e à nomeação de interventores. Intolerante com o autoritarismo, Graciliano pede demissão da Imprensa Oficial, em dezembro de 1931. E aborrecido com a demora na publicação do livro, solicita os originais de volta.
Retorna a Palmeira dos Índios, reabre a loja e passa a se dedicar ao seu segundo romance, São Bernardo. Para Carlos Coutinho, o segundo romance se afasta do naturalismo pessimista de Caetés e se aproxima do realismo crítico e humanista que aparecerá nos romances posteriores. Sugere Coutinho que as mudanças na política brasileira introduzidas de cima para baixo, deram ao escritor alagoano a clara percepção das “forças sociais em choque”.
No final de 1932, com o romance terminado volta a Maceió, para o nascimento de sua filha Clara e recebe o convite para assumir a Instrução Pública de Alagoas. Em janeiro de 1933, permanentemente em dificuldade financeira, aceita o cargo e promove uma pequena revolução na educação pública do Estado.
As escolas das periferias estavam sem funcionar porque não era permitido alunos descalços e sem uniformes. O Estado passou a distribuir sapatos e tecidos para confecção dos uniformes. Em consequência, as salas ficaram superlotadas. Era necessário agora a compra de mobiliários, de material escolar, o oferecimento de merenda e a contratação de novos professores. Tudo isso foi feito e em setembro de 1933, quando Getúlio Vargas esteve em Maceió, o interventor exibiu os avanços na área da educação como um trunfo da sua administração. Mas, e a proibição da execução do hino de Alagoas, nas escolas?!
Bom, Graciliano era um homem das letras. Segundo Raquel de Queiroz, sabia mais português do que o filólogo Aurélio Buarque de Holanda, que corrigia e salvava, dando-lhes a pontuação correta, todos os textos produzidos pelos escritores do grupo que se reunia no Café Central. Os de Graciliano dispensavam a correção. Crítico exigente da sua produção literária, aborrecia-se demais com os erros gramaticais.
Foram, portanto, os erros presentes na letra do Hino de Alagoas, que, para ele, justificava a proibição da sua execução. Ademais, há um corajoso amor à terra e uma disposição para lutar por ela, também presentes no Hino Nacional, que não encontram respaldo na realidade, e Graciliano não era homem de bravatas.
Voltemos ao romance Caetés. Jorge Amado levara os originais de volta para Schmidt e, em dezembro de 1933, a obra foi lançada. O sucesso de crítica fez com que o mercado editorial dirigisse seu interesse para o escritor alagoano.
A Ariel Editora, do escritor Gastão Cruls, apressa-se para propor a publicação de São Bernardo, o que ocorre em dezembro de 1934. Sucesso no Brasil inteiro, Graciliano chega a ser comparado ao escritor russo Dostoievski porque ambos empreendem “um mergulho nas profundezas mais escuras da alma humana”, segundo os críticos.
Animado, desengaveta e se dedica a Angústia, seu terceiro romance. Entretanto, nem o sucesso como gestor da educação pública, nem como escritor, livra-o da caça aos ‘comunistas’. Que crime cometera Graciliano para viver o inferno descrito em Memórias do Cárcere, publicado postumamente, em setembro de 1953? De quê o acusava o governo Getúlio Vargas?
Por Lúcia Barbosa