23 de novembro de 2024

Câmeras em fardas da PM-AL reacendem polêmica e dividem opiniões

Assembleia Legislativa deve ter sessão pública para tratar do projeto que pode viabilizar câmeras nas fardas dos policiais militares em Alagoas - Foto: Edilson Omena

A proposta de tornar obrigatórias as câmeras na farda dos policiais militares em Alagoas voltou à tona e dividiu opiniões com o Projeto de Lei apresentado pelo deputado estadual Ronaldo Medeiros (PT) na última quinta-feira (30). De um lado, a Associação dos Oficiais Militares de Alagoas (Assomal) vê riscos e possíveis problemas. Do outro, o desembargador do Tribunal de Justiça de Alagoas (TJAL), Tutmés Airan defende que a iniciativa combate o mau policial e protege o bom militar.

À reportagem da Tribuna, o deputado estadual ressalta que o monitoramento tem sido implantado em outros países e que a medida tende a evitar o número de mortes em ações da polícia.
“A minha ideia é que a gente tenha mais segurança para a sociedade e para os policiais nas operações. A gente vê que onde é implantado, pelo mundo todo, reduz o número de mortes em ações da polícia”, explicou Medeiros.

O desembargador Tutmés Airan é a favor da medida. O Tribunal de Justiça chegou a oficiar o Governo do Estado, em 2021, na gestão do governador Renan Filho (MDB), para que fosse cumprida uma decisão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) e registre as operações policiais por meio de áudio e vídeo.

“Era na gestão do Renan Filho. Ele deu um prazo que ainda não extrapolou, então não descumpriu. O projeto combate o mau policial porque impõe limite na atividade, por exemplo, de abordagem que é feita pela polícia em relação às pessoas. E os limites ficam muito claros, porque, enfim, são filmados. Então, a ideia é fazer com que a violência estatal, que é uma violência é necessária em muitos momentos, seja uma violência legítima. E a violência é legítima toda vez que ela não extrapola os limites do razoável. Então, filmar a atividade de abordagem policial é na verdade é ratificar é confirmar a necessidade desses limites”, defende o desembargador em entrevista à Tribuna.

‘EM ESTUDO’

A reportagem da Tribuna Independente também buscou a Secretaria de Estado da Segurança Pública (SSP) para repercutir sobre o tema, mas a assessoria se limitou a responder que “o uso de bodycams [câmeras corporais] está em estudo pelas corporações”. A SSP optou por não fazer comentários sobre a iniciativa que foi apresentada na Assembleia Legislativa pelo deputado Ronaldo Medeiros, nem conceder maiores informações sobre o monitoramento dos policiais militares.

DEBATE

A representação dos policiais não está tão convencida. O tenente-coronel Paes, presidente da Associação dos Militares de Alagoas (Assomal), levanta uma série de questionamentos e amplia o debate sobre as câmeras nas fardas dos PMs.

“Ele [projeto do deputado Ronaldo Medeiros] faz uma justificativa principalmente com países que a gente sabe que o nível de desenvolvimento, e educação é inconteste em comparação ao nosso. Então, são populações muito mais civilizadas e educadas, até no respeito às normas porque as leis são muito mais fielmente cumpridas do que aqui no nosso estado. Falo estado, o nosso estado nação, e particularmente o estado de Alagoas. É um equipamento que tem custo, os custos não são baixos, então toda essa discussão de aquisição, de armazenamento dessas imagens, é uma discussão que o estado tem que também se debruçar para ver a forma de viabilidade disso”, argumenta o tenente-coronel.

Quanto à utilização pelos profissionais, o presidente da Assomal é ainda mais reticente. “É triste quando a gente que tem a responsabilidade, a obrigação, a gente é a representação do estado na ação e tem sempre a nossa palavra questionada enquanto aquele infrator, aquele possível homicida, aquele delinquente, às vezes quando é preso e pego em flagrante vai para a audiência de custódia e ainda coloca em cheque a posição do Estado”.

Ainda em entrevista à Tribuna, o tenente-coronel Paes mostra um certo receio com o monitoramento das atividades devido ao que ele classifica como “manipulações tecnológicas”.
“Sabemos que existem várias situações. Um viés, por exemplo, diz respeito salvaguarda da atuação do militar, mas também no momento que nós vivemos hoje, de vazamento de imagens e descontextualização de imagens. A gente sabe que por mais segurança que você tenha, sempre tem uma possibilidade de um vazamento de um hacker, disso ser editado de uma forma pejorativa. Então, são coisas que a gente tem que ampliar muito mais esse discurso e muito mais essa discussão”, justifica o presidente da Assomal.

Comparando-se com outras áreas, o tenente-coronel faz uma provocação. “Só para fazer um parêntese, a gente tem servidor público em várias profissões. Como se sentiria o parlamentar se tivesse também, porque ele é um empregado público, está ali a serviço da população que o elegeu. Se a população tivesse fazendo a iniciativa de legislação para obrigá-lo a, em todas as reuniões que ele participasse tivesse também um equipamento desse para monitorar todas as imagens e conversas. Será que ele se sentiria confortável?”, questiona.

‘VIOLÊNCIA FATAL’

O desembargador do Tribunal de Justiça de Alagoas, Tutmés Aira, discorda do contexto apresentado pelo presidente da Assomal. Para o magistrado, o monitoramento com câmeras nas fardas dos militares é destinado aos servidores que exercem funções que podem culminar em violência fatal.

“Não tem sentido. Nenhum servidor público tem como função o exercício da violência fatal. A câmera se destina aos servidores que exercitam a violência fatal e a ideia é conter essa violência, tornando-a legítima. É uma é uma tese de Max Weber [foi um intelectual, jurista e economista alemão considerado um dos fundadores da Sociologia], a necessidade da violência fatal ser uma violência legítima, e ela é legítima medida em que cidade deve ter limites. Não se dá ao policial um cheque branco, não pode ser. Seria inteiramente descabido exigir que um deputado usasse essa câmera”, contesta o magistrado.

O presidente da Assomal ressalta, ainda, que é preciso incluir todas as partes interessadas no debate. “Toda mudança de paradigma gera resistência, então para a gente acabar com essas resistências, eu acho que é uma discussão muito mais ampla. Não pode ficar apenas no campo na temática daqueles que não sabem como desenvolve a real atividade de policiamento ostensivo, o que é uma abordagem. O que é o desenrolar de uma de uma operação policial militar, o policial em uma descida de uma de uma comunidade de uma grota. Então são muitas coisas que a gente tem que envolver no contexto”, complementa.

SESSÃO PÚBLICA

Segundo o propositor do projeto, o deputado Ronaldo Medeiros, o debate será ampliado para que todas as versões sejam ouvidas. “Vou fazer uma sessão pública na Assembleia Legislativa do Estado. A ideia é escutar as partes interessadas e até aperfeiçoar o projeto”, avisou o deputado.
Ronaldo também rebateu o questionamento sobre a parte financeira. “O custo maior é perder a vida de um policial ou de algum inocente. Essa questão de custos, o governo federal vai cobrir, tenho certeza. Eu estou agendando uma audiência com o ministro da Justiça, Flávio Dino. Eles vão cobrir esses cursos para implementação dessas câmeras para esse tipo de trabalho. Isso é interesse também, do Governo Federal”.

Por Emanuelle Vanderlei – colaboradora com Tribuna Independente