27 de novembro de 2024

“Perseguição a mulheres pela internet é frequente em Alagoas”

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Perseguição a mulheres tem se tornado cada vez mais comum com o advento das mídias sociais - Foto: Imagem ilustrativa

Apesar de propiciar facilidades e ajudar na vida das pessoas, a tecnologia às vezes se torna uma forma de piorar problemas que existiam de forma mais limitada antigamente. Um crime que tem se tornado cada vez mais comum com o advento das mídias sociais é o de stalking, que quer dizer perseguição pelos meios virtuais.

O delegado Sidney Tenório, titular da Delegacia de Crimes Cibernéticos, afirma que esse tipo de crime acontece bastante frequência aqui em Alagoas. “Principalmente com mulheres a gente tem uma incidência muito grande tanto na capital quanto no interior. Ainda é um crime desconhecido”. Ele explica que está no artigo 147 do código penal com o nome de stalking.

“O que diferencia o stalking da ameaça é porque o stalking não tem necessariamente uma promessa de fazer mal à integridade física ou à vida da vítima. É simplesmente a perseguição, seja de forma física mesmo ou pela internet. A gente tem um caso, por exemplo, está investigando o que aconteceu até semana passada. Foi um caso de uma pessoa que estava mandando mensagens repetitivas pelo Instagram, porque simplesmente ela achou que é uma moça que tem o Instagram aberto e postava fotos legais fazendo crossfit e atividades físicas. Ele começou, mas sem nenhum tipo de ameaça, só importunando. Mandando ‘você é bonita’. A moça dizendo que é comprometida e ele insistindo, insistindo, insistindo. Aí foi quando ela fez um boletim de ocorrência. A investigação tá em andamento”.

Segundo Tenório, a grande maioria dos casos desse crime acontece pela internet, não no mundo real. “A vítima vai identificar esse tipo de crime quando ela se sentir incomodada, quando a coisa é repetitiva a ponto de se incomodar. É a perseguição, a reiteração das condutas”.

São muitos comuns o os casos como o citado pelo delegado, de um desconhecido se aproximar, mas a motivação principal ainda é um relacionamento afetivo. “Geralmente essa perseguição ela se dá por uma pessoa com quem você acabou de encerrar um relacionamento. Principalmente de homem com relação a mulher. Ele fica rondando a casa, mandando mensagem. Algumas mulheres antes do crime consegue uma medida por tempo de urgência, havendo reiteração do stalking é caso de o juiz decretar a prisão preventiva pelo descumprimento”.

Em Maceió, uma ONG tem sido o suporte de muitas mulheres vivendo essa situação desde 2018. É o Centro de Defesa dos Direitos da Mulher (CDDM). Elas prestam serviço a mulheres de baixa renda vítimas de violência através de uma equipe multidisciplinar formada por advogadas, psicólogas e assistentes sociais voluntárias.

A advogada Vanesa Cavalcante tem acompanhado algumas dessas mulheres pelo CDDM. Ela também constata que é muito comum iniciar após o fim de relacionamento, como uma tentativa de impor a presença à mulher para tentar reconciliar.

Pela experiência profissional, ela conta como normalmente são os homens que praticam os crimes. “Os casos que chegam até nós geralmente são homens possessivos que iniciam o relacionamento sendo muito atenciosos e amorosos e que começam a demonstrar a obsessão e necessidade de controle com o tempo”.

Vanesa Cavalcante alerta sobre a importância dessas vítimas procurarem ajuda. “Primeiro de familiares e depois de especialistas, pois muitas vezes demoram muito tempo à mercê dessa situação por vergonha de contar o que está acontecendo e procurar ajuda, achando que tem culpa de alguma forma daquilo. Elas não são culpadas, são vítimas”.

Na estrutura do Estado, a Secretaria da Mulher e dos Direitos Humanos (Semudh) tem desenvolvido campanhas educativas. Segundo a superintendente da mulher, Elida Miranda, a preocupação é conscientizar e prevenir. “A secretaria vai estar atenta porque no ambiente virtual também é crime. E esse conteúdo precisa ser retirado do ar. A gente precisa fazer essa conscientização que o ambiente virtual não é terra de ninguém, não é terra sem lei. Então a gente tá atento a isso e os nossos canais para recebimento de denúncia continuam também abertos pra receber esse tipo de denúncia, porque a gente entende que é nesse lugar onde são gestados, vamos dizer assim, os possíveis agressores”.

Perfil violento é muito comum entre os perseguidores

Renata viveu um relacionamento abusivo por pouco mais de dois anos. “Vivi vários momentos de abuso, um deles foi o controle que ele queria ter sobre meu telefone, redes sociais, e até hoje não aceita o fim do relacionamento. Passei um ano com medida protetiva e mesmo com a medida ele fazia publicações em suas redes tentando reverter a situação, querendo me tirar como a errada de tudo. Me enviando solicitação de amizade em uma conta nova do Facebook”.

A tentativa do criminoso é desqualificar a vítima. “Ele quer passar a imagem que eu sou a ex louca. Minha sorte que tenho muitos prints. Nós estamos com processos judiciais, fiz Maria da Penha”, relata Renata.

Além da perseguição física, ele sempre marcava presença no virtual. “Fazia várias ligações, chamada de vídeos dizendo que era pra ver a filha, onde na verdade era pra ver onde eu estaria e com quem. Perguntando a amigos em comum o que eu publicava, se eu estaria saindo, se eu estaria ficando com alguém, se eu estaria em tal lugar, que ele iria pra lá e não queria me encontrar”.

A vida antes do término era difícil. “Ele chegou a tomar meu telefone a força, eu deitada amamentando minha filha, pra ver meu WhatsApp. Como eu não desbloqueei como ele pedia, ele quis me deixar trancada no quarto com a bebê, para que ele desbloqueasse remotamente pelo computador”.

A história afetou a vida de Renata de forma profunda e deixou traumas. “Senti muito medo, até que por conta disso me vi com crises de ansiedade, pânico, medo de sair de casa. Ao ver um carro da empresa que ele trabalha na rua, me tremia. Acordava tendo pesadelos jurando que estava vendo ele aqui, escutava companhia tocar, via manchas roxas pelo corpo, cabelos caindo”.

Até hoje a vida de Renata não voltou ao normal. “Sem dúvida, o psicológico da gente não é o mesmo. Hoje, meu outro filho de um outro relacionamento não mora comigo por conta dele, que ele travava mal meu filho. Sofro muito com isso, afeta a criação da minha filha bebê aqui que tem dias. Quando ele coloca as contestações dele no processo com mentiras, eu fico arrasada, mal, e acaba afetando a criação dela aqui, pois fico sem paciência. E em questão de relacionamento eu não consigo acreditar, confiar em outro homem. Não consigo me relacionar com ninguém ainda, pois pra mim todos irão fazer a mesma coisa e prefiro evitar sofrer novamente”.

Fernanda (nome fictício) também viveu um pesadelo por conta de um perseguidor durante um relacionamento. Segundo ela, suas redes sociais não foram suficientes e ele passou a acompanhar os amigos. “Ele pesquisava onde eu estava, se estava com alguém. Stalkeava meus amigos. Chegou a pedir uma colega para seguir e flertar com ela. Depois do término, foi pior. Como não estava na minha rede, intensificou a vigilância sobre meus amigos”.

Ela ficou sabendo que ele contava histórias falaciosas e criava vínculos com as pessoas, pesquisava sobre a vida dela. “Eu sempre fiquei com pé atrás e, nas piores vezes que ele me cercava, com muito medo. Foi quando comecei a assumir pra os meus amigos que ele fazia isso, para as pessoas saberem e de alguma forma ter respaldo de segurança. Já cheguei perto de prestar queixa”.
Fernanda relata que não procurou a polícia por medo, porque o perseguidor fazia parte do ambiente de trabalho e sentia medo de ser prejudicada.

A perseguição virtual nos dois casos foi associada a situações de violência física. Fernanda conta que chegou a sofrer abuso sexual durante uma viagem e que em outra situação foi empurrada pelo então companheiro.

Ela se sentiu fragilizada e após sair da situação se questiona como não saiu antes. “Eu falo essas coisas e fico envergonhada de pensar como eu me mantive com uma pessoa dessa e, como eu percebendo uma coisa dessas, eu namorei com uma pessoa dessas”.

As duas vítimas citadas nesta matéria contaram com o apoio da CDDM. A advogada da ONG orienta que é muito importante estar atenta. “Sempre que perceber que as coisas estão saindo de controle, junte provas e denuncie, antes que chegue a uma situação extrema”.

Por Emanuelle Vanderlei – colaboradora com Tribuna Independente