24 de novembro de 2024

Audiência pública discutiu revitimização de mulheres que optam pelo aborto legal

Audiência ocorreu nesta segunda-feira (6) - Foto: Dicom CMM

A Câmara Municipal de Maceió discutiu, na manhã desta segunda-feira (6), em audiência pública, a Revitimização da Mulher que Opta pelo Aborto Legal. Proposta pela vereadora Olívia Tenório (MDB), o tema entrou na pauta após um pedido da secretária da Mulher, Ana Paula Mendes, que também preside o Conselho Municipal da Mulher. O objetivo foi discutir as consequências da lei aprovada na casa que prevê que mulheres antes de serem submetidas ao aborto legal recebam informações em forma de vídeo e fotos sobre como ocorre o procedimento e suas consequências clínicas.

A matéria de autoria do vereador Leonardo Dias (PL) foi aprovada sem discussão pública. O texto já seguiu para a sansão ou veto do prefeito JHC (PL). Por isso, antes da posição do Executivo o Codim decidiu provocar o debate público com representantes de vários segmentos.

Segundo Ana Paula Mendes o órgão já se posicionou contrário ao projeto e pede o seu veto. Em nota lida durante seu pronunciamento ela reafirmou ser contrária à proposta por impor mais sofrimento às mulheres e, ainda, alegou a sua inconstitucionalidade.

“O Codim rejeita totalmente o projeto. No Brasil o aborto pode ocorrer nas seguintes situações: gravidez proveniente de estupro, anencefalia e risco à mulher. Na Legislação Federal não há nenhum indicação para que a mulher já fragilizada por conta da situação vivida tenha que ser submetida a nenhuma exposição de imagens. Assim sendo solicitamos ao Poder Executivo o veto total ao projeto de lei. A lei é inconstitucional no âmbito municipal. Queremos aqui apenas destacar nossa posição e debater a revitimização da mulher que lança mão de seu direito”, definiu Ana Paula.

Legislação

Em seguida, o promotor Magno Moura, da promotoria de Direitos Humanos, falou sobre os aspectos legais que já norteiam as situações em que o aborto é previsto na atual legislação. Conforme explicou, no momento, não se trata de debater sobre ser contra ou a favor ao tema. Mas, sim, sobre garantir o cumprimento dos casos em que é previsto em lei.

“Nós temos o princípio da liberdade que é assegurado a todos. E ele deve ser garantido nos parâmetros dos Direitos Humanos. Não somos pró ou contra o aborto. Queremos ressaltar que ser for sancionado poderá haver discussão no âmbito das cortes judiciais. E haverá representação do Conselho Estadual de Direitos Humanos ao Ministério Público Estadual, que caberá ao procurador geral fazer o controle de constitucionalidade e, em seguida, será provocado o Tribunal de Justiça”, ponderou Magno.

Ele lembrou que na questão legal está claro quais as circunstâncias em que pode ocorrer o aborto. O Supremo Tribunal Federal também já se posicionou sobre estas questões que são pacificadas. Magno disse ainda que a discussão sobre o aborto, no modo em que foi colocado, não pode ocorrer sob o olhar ideológico porque o Estado Brasileiro é laico.

“O posicionamento do Conselho Estadual de Direitos Humanos é o de que o projeto é inconstitucional. Queremos colocar que o mais importante é discutirmos, de forma geral, como a mulher é atendida na rede pública de saúde”, completou Magno.

Para a Delegada da Mulher Ana Luíza Nogueira o mais importante é a defesa da dignidade da pessoa humana como sendo o princípio a ser destacado e previsto na legislação brasileira. Ela lembrou que não apenas a lei mas decisões de tribunais, a exemplo do STF, já decidiram sobre a questão do aborto no caso das crianças anencéfalas. Conforme lembrou o projeto vai de encontro a dispositivos legais podendo o projeto ser comparado a um caso de tortura.

“O foco não é se somos contra ou a favor, mas de se analisar do que há na constituição federal. Lidamos diariamente na seara da violência contra a mulher, crianças e a dignidade. Na semana anterior foi divulgado dados sobre a violência contra a mulher, sobretudo de crimes sexuais. Quem sofre a violência sexual, o trauma é muito grande. Isso tem que ser levado em conta sobre o aborto legal que está previsto na legislação. A Câmara de Maceió aprovou o projeto para que sejam apresentados detalhes de como ocorre o aborto. É sugerido que os profissionais apresentem de forma detalhada como ocorrem os procedimentos e o desenvolvimento do feto semana a semana”, disse Ana Luíza.

Ele lembrou que os detalhes expostos, diante do trauma sofrido pela mulher, podem criar situações ainda mais graves do ponto de vista emocional e psiquiátrico.

“É uma violência psicológica e institucional contra a mulher, de acordo com o que está no projeto. É uma violência e uma revitimização. O que buscamos, nós que atuamos na seara da proteção, é diminuir a vitimização”, conclui Ana Luíza.

Pró-Vida

A médica Dandara Lacerda, do Movimento Pró-Vida, lamentou o fato de não estarem presentes mais representantes da saúde para abordar as questões que envolvem as consequências do aborto para uma mulher. Ela lembrou que as mulheres no processo de empoderamento precisam ter informações para poder definir sobre o próprio corpo.

“E ao falarmos de aborto é imperativo que ela tenha conhecimento sobre isso, porque não há aborto seguro. Ao final de cada aborto sempre haverá, ao menos uma morte na sala de procedimento. Nem que seja a do bebê. Não cabem aqui argumentos sobre quando começa a vida. É um argumento fraco. A ciência sabe quando ela começa. A embriologia mostra claramente quando começa a vida humana. E a genética, também”, disse Dandara.

A médica defendeu que há vida desde a concepção quando a primeira célula se une a exemplo do óvulo e espermatozoide. Ela disse que a vida humana tem etapas. Sendo assim, acredita que os conselhos de direitos humanos não estão defendendo todas as vidas. “O conselho deveria defender a vida humana em sua primeira etapa na sua origem. Onde estão os defensores das mulheres que estão sendo assassinadas antes de nascer?”, questionou a médica.

Dandara citou, ainda, dados internacionais sobre os países que legalizaram o aborto. Ela disse que nestes países o que tem havido é uma reincidência dos abortos. Com o tempo ocorre uma dessensibilização. No Brasil a criança pode ser esquartejada até o quinto mês de vida. Os anencéfalos não conseguem nem chegar a isso. Ela disse que matar crianças por conta de má formação é semelhante ao que foi feito no nazismo.

“A mulher que sofreu aborto fica mais fragilizada na sociedade e pode sofrer estupro. O aborto não ameniza o trauma do estupro, mas sim lhe acrescenta mais um trauma”, concluiu Dandara.

Veto

A vereadora Teca Nelma (PSD) reforçou a necessidade do veto ao projeto em acordo com os conselhos estadual e municipal e destacou a inconstitucionalidade da lei. Conforme alertou, já existe legislação em vigor no país que trata da questão, levando em conta a proteção da mulher num momento de extrema fragilidade.

“Não temos poder sobre legislar ou não a respeito do aborto. Sobre falar de países capazes de interferir sobre isso. Estamos falando do Brasil e de Maceió. Não pode comparar casos de subnotificação e outras vivências. Estamos falando de uma lei que foi aprovada e o ter de sua constitucionalidade ou inconstitucionalidade. O mérito sobre ela nós vereadores não podemos legislar. Fica para a esfera federal”, afirmou Teca.

Ela apresentou um parecer da Procuradoria Municipal da Câmara que atestou a inconstitucionalidade do projeto aprovado pela casa e reforçou o pedido do veto.

“Aqui nós preservamos nossa constituição e a autodeterminação dos povos”, concluiu Teca.

Depoimento

A senhora Simone Lima, primeira comandante da Guarda Municipal, fez questão de dar seu depoimento para ajudar a plateia a compreender como o abuso sexual é um trauma para toda a vida. Mesmo aos 61 anos de idade não consegue superar as noites de terror que vivenciou com o próprio pai.

Hoje só consegue falar sobre o caso após sua morte, mas ainda assim guarda outros traumas como nunca ter se relacionado com homem negro, por lembrar do pai, nem abraçar e beijar os filhos por achar que estará provocando alguma situação de desrespeito.

Ela contou sobre uma situação de abuso dos dez aos dezesseis anos, praticado pelo pai. “Imagine ser abusada durante tanto tempo. Não consigo fazer uma terapia para falar do meu pai que era o meu abusador. Imagine uma mulher grávida vítima de estupro ter que ver um vídeo sobre aborto”, disse Simone.

Ela concluiu sua fala enfatizando que a gravidez oriunda de um estupro é um trauma para o resto da vida. Maior para a mulher, mas que a própria criança também irá herdar essa história triste.

Tortura

A socióloga Mônica Carvalho da Associação Legionere, que integra o Levante Feminista formado por 50 associações, contou que quando era estudante de serviço social, durante um atendimento se deparou com uma estória assustadora. Era a de duas irmãs de 5 anos que eram estupradas sistematicamente pelo pai. Ele, inclusive, já estava oferecendo-as para outros homens.

Como parte do atendimento ela teve que ir ao local, um povoado na região da Bacia Leiteira. Ela lembrou que ficou impressionada com a situação psicológica da mãe e da tia das meninas, que moravam em Maceió após sair da cidade.

“Nessa visita, aqui em Maceió, fiquei impressionada com a gagueira da mãe. Tinha uma gagueira muito forte. A tia, num determinado momento, explodiu e disse que ela e a irmã tinham sido abusadas na infância pelo pai. Existia uma cultura familiar onde a mãe, subjugada pelo marido permitia o abuso as filhas. E, agora com o filho mais velho. essa mulher cedia a ele o corpo das netas e ele já estava montando uma rede de prostituição para elas”, contou Mônica.

Após o relato ela refletiu sobre a possibilidade real de uma delas quando ficassem um pouco mais velhas tivessem uma gravidez indesejada proveniente de incesto.

“A vida objetiva de uma criança oriunda de estupro. Por que se a saúde mental da mãe não vai estar alinhada com os defensores da ideologia pró-vida, como fica então a vida prática e objetiva desta criança? Vai para a adoção? Como é lista de adoção? Como é a negação do corpo de uma família que não é sua?”, questionou Mônica.

Para ela a lei se trata de tortura psicológica para mulheres e meninas vítimas de abuso. Por isso, também defendeu a sua inconstitucionalidade e o veto por parte do prefeito JHC.

Pesquisa

A presidente da Associação Amada, a advogada Ane Fidelis, que pesquisa da violência de gênero, os dados sobre a violência no país demonstram que o principal é que haja humanização e acolhimento das vítimas. Isto porque a questão além de social, tem grande apelo psicológico e as mulheres vítimas dessa violência têm grande necessidade de apoio para o recomeço. Por isso, considerou importante que é fundamental o desenvolvimento e ampliação de políticas públicas para que o amparo seja efetivado e sempre aperfeiçoado.

“Quando falamos da violência sexual em Alagoas 79% das vítimas de estupro são crianças e adolescentes e 56,3% são crianças de até 9 anos. Estamos falando de mulheres e meninas e da vida de meninas e do aborto legal. Por que que o aborto desperta a fúria do patriarcado? Porque estamos falando de escolha diante de uma violência. O que precisamos é de humanização”, enfatizou Ane.

Sofrimento

A vereadora Olívia Tenório destacou que é contra a lei aprovada por conta do grau de sofrimento que poderá representar para as mulheres vítimas de violência. Por isso a classificou como sendo uma revitimização, já que mesmo depois de ter sofrido uma violência a mulher será submetida a outra com a exibição de imagens sobre o procedimento abortivo.

Segundo Olívia isso a fez se posicionar pró-vida, mas da mulher estuprada e das mães em luto que sabem que carregam um filho anencéfalo, com poucas chances de sobreviver a ter que parir numa maternidade vendo outras saindo com seus bebês no colo.

“Sou pró-vida. Vida. E não só pró-existência. Não é apenas existir mas viver nesse mundo. Ninguém aqui é pró-morte. Estamos reunidos para discutir a obrigação, ao meu ver absurda, sobre os riscos ao aborto nos casos previstos em lei. Isso de forma detalhada, por meio de vídeos e imagens, durante os vários encontros até que se chegue ao direito da mulher. O projeto vai obrigar mulheres e seus familiares. Em qual cirurgia sou obrigada a ver vídeos? Em que momento até numa gestação é mostrada as imagens a cada semana? Nem para gestantes essa obrigação é posta. Por que para as mulheres seguindo a lei isso é necessário?. Todas essas perguntas tem a mesma resposta. Esse projeto se esconde nos termos informação e orientação para dificultar a mulher ao seu direito adquirido por lei. Tudo visando desencorajá-la e persuadi-la a desistir de sua decisão. E, também, a sua família persuadi-la a desistir de seu direito e a sua decisão”, detalhou Olívia.

Defesa

O autor do projeto, vereador Leonardo Dias (PL) fez um pronunciamento trazendo novos detalhes sobre a matéria. Ele questionou o fato de que para a discussão que envolve um procedimento de saúde apenas uma médica havia sido convidada e que mesmo assim era a favor da vida.

“Nós estamos defendendo o direito de mulheres que estão sendo mortas nos ventres de suas mães. No meu mandato tenho um compromisso com a pauta pró-vida assim como o prefeito a assumiu durante a campanha. Tenho algumas iniciativas que perpassam pela questão do aborto que é o Núcleo de Assistência Social a Mulheres Vítimas de Violência Doméstica e Estupro e não vi nenhuma feminista aqui defender isso”, disse Léo.

Sobre a lei que prevê a exibição de material informativo sobre os procedimentos que envolvem um aborto Leonardo lembrou que há a semana de conscientização de síndrome pós-aborto (lei apresentada), Bolsa Enxoval para ajudar a mulher que está em situação de extrema vulnerabilidade social. Outro projeto é de sugestão do Disk Pró-Vida.

“Não poderia deixar de falar, ainda, que a Lei que apresentamos visa conscientizar as mulheres. Não queremos tirar o direito de ninguém. A decisão final é da mulher. Queremos que ela tenha informações para empoderada com elas, decida. Seja pelo aborto ou contra o aborto. Ninguém vai apagar de uma mulher o trauma que ela sofreu, um estupro. Mas também não vão apagar da mulher que fez o aborto. E aborto legal. Quando falamos em conscientizar nós queremos trazer as informações para que tomem as decisões conscientes. A quem interessa omitir que pode ficar infértil? Que pode ter depressão, ficar vulnerável para o uso de drogas?”, questionou Leonardo.

A vereadora Gaby Ronalsa (PV) fez uma defesa da proposta, por entender que mesmo com previsão legal o aborto trata-se da interrupção da vida. E que isso traz consequências tanto para as mulheres, mas principalmente para os fetos que não tiveram a chance de escolha. Ela disse, ainda, que o projeto não visa retirar nenhum direito das mulheres ao aborto, mas sim lhes garantir um outro que é o direito a informação.

“O projeto visa tão somente informar à mãe sobre os procedimentos que irá passar. A mulher que comete o aborto é mãe e não vai deixar de ser ao cometer o aborto. Só que será mãe de um filho morto e por ela assassinado. Ele visa trazer informação sobre o procedimento e as consequências como síndrome pós-aborto. Ele faz com que muitas mães escutem o choro dos bebês, mesmo depois de tê-lo matado, vê e houve outras coisas. Em outros casos entra em depressão e até pode tirar a sua vida. Nós estamos aqui brigando por todas as vidas. Por que negar a mãe e impedir que ela tome conhecimento dos procedimentos e consequências? Porque são chocantes. Mas ela tem o direito de saber o que vai acontecer com ela. Ninguém vai obrigar a mãe a colocá-la diante da televisão não. Vamos ser inteligentes”, expôs Gaby.

Ela questionou quem aponta ilegalidade no projeto. Conforme revelou após ser aprovado em plenário encerra-se o prazo para discussão sobre a legalidade. Sendo assim, ao virar lei apenas um juiz é quem pode declarar a ilegalidade.

Acolhimento

Segundo a secretária da Mulher e Direitos Humanos, Maria José, o veto pelo prefeito JHC é o mais importante neste momento. Para ela o que deve ser garantido é o acolhimento das mulheres. A lei não pode retroagir para prejudicar.

Ela destacou a estrutura de apoio às mulheres que são vítimas de estupro. Em sua avaliação a questão é grave internacional e nacionalmente e que todos são defensores da vida. Ela lembrou também que a matéria já foi rejeitada até pela Procuradoria Municipal da CMM.

“Ela já vem com todos os problemas e do jeito que está posto no projeto ela vai ser revitimizada. Ser submetida a uma tortura psicológica quando no momento de maior fragilidade de sua vida precisa é de acolhimento”, disse a secretária.

Por Dicom CMM