19 de fevereiro de 2025

Arquivo: A Poesia Como Resistência e Esperança em Ronaldo Lessa

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Livro foi publicado em 2005 pela Grafmarques – Foto: Divulgação

A poesia de Ronaldo Lessa não ficou restrita às páginas de um livro ou aos escritos guardados por décadas. Ela se materializou na vida pública, transformou-se em ação e ganhou forma na luta por justiça social. Aquilo que seus versos reivindicavam nos anos 70 – uma sociedade mais igualitária, consciente e participativa – se tornou o norte de sua trajetória política. Mas, se a política de Lessa se construiu sobre embates e rupturas, sua poesia sempre manteve um elemento essencial: a esperança.

Arquivo revela um poeta que, mesmo diante das desigualdades e dos desafios do mundo, nunca se entregou ao pessimismo. Seus versos carregam o peso da crítica, mas se recusam a encerrar-se no desencanto. Ao contrário: eles conclamam à ação e reafirmam a crença em dias melhores. Não é uma esperança ingênua ou passiva, mas uma esperança que convoca, que movimenta, que se recusa a aceitar a história como um caminho fechado.

A Palavra como Ferramenta de Transformação

A estrutura dos poemas de Arquivo é enxuta, sem adornos excessivos, como se cada palavra fosse cuidadosamente escolhida para carregar sua própria urgência. Em Minha Certeza no Amanhã, Lessa constrói um jogo de contrastes entre um “pobre país rico” e um “rico povo pobre”, uma ironia que desnuda a essência de uma sociedade marcada pela concentração de riqueza e pela injustiça. A forma direta do poema amplifica sua força, tornando-o quase um enunciado inevitável.

Em Já Foi Dito, a simplicidade se alia à profundidade filosófica: “quando um muro separa, uma ponte une”. A assertividade do verso não deixa margem para ambiguidades; há aqui um princípio de mundo, uma convicção de que, por mais que as estruturas ergam barreiras, a construção coletiva sempre será um antídoto contra a separação e o isolamento.

Essa crença na ação aparece também em Não Podemos Querer, um poema que rejeita a aceitação passiva da realidade. O autor não se limita a questionar as injustiças visíveis; ele volta seu olhar para os mecanismos invisíveis que condicionam o pensamento. A interrogação que perpassa seus versos não é apenas sobre a sociedade, mas sobre o próprio indivíduo diante dela: até que ponto somos agentes de nossa história e até que ponto somos moldados por ela?

O Poeta e a Política da Palavra

A literatura engajada pode assumir múltiplas formas. Há poetas que fazem da palavra uma arma, incendiária e implacável, como Maiakóvski. Outros, como Brecht, desmontam as estruturas do poder com ironia e racionalidade. Neruda, por sua vez, funde lirismo e resistência, fazendo da poesia tanto um refúgio quanto um ato de revolta.
Ronaldo Lessa, no entanto, não se encaixa rigidamente em nenhuma dessas categorias. Sua poesia não explode como a de Maiakóvski, não se amarra à frieza metódica de Brecht, nem se entrega inteiramente à musicalidade de Neruda. Seu tom é próprio: combativo, mas sem abrir mão da reflexão; indignado, mas sem perder a ternura de quem acredita na possibilidade de um mundo mais justo.

O que distingue Arquivo não é apenas seu conteúdo, mas sua coerência. Os poemas, embora distintos em forma e abordagem, convergem para um mesmo ponto: a recusa à alienação, a negação do conformismo e a afirmação de que a história não é um destino fixo, mas um território em disputa. O poeta não se coloca como um mero espectador da realidade, mas como alguém que a interroga, que a questiona e que, sobretudo, acredita na necessidade de transformá-la.

Um Documento da Consciência e da Resistência

A publicação de Arquivo se deu décadas após sua escrita, quando Ronaldo Lessa já havia consolidado uma trajetória política marcada pela ruptura com a tradição oligárquica de Alagoas. Aquele jovem que, nos anos 70, rabiscava poemas carregados de inquietação e desejo de mudança, se tornaria o político que desafiaria estruturas seculares e abriria caminhos para um novo projeto de Estado.

A capa da obra, assinada por Reinaldo Lessa, sintetiza esse espírito. De fundo vermelho intenso, carrega em si a simbologia da transformação, enquanto a composição abstrata central sugere movimento e resistência ao tempo. É uma capa que, como o próprio livro, fala de um passado que se projetou na ação concreta de seu autor.
Arquivo não é apenas uma coletânea de poemas esquecidos e depois resgatados. É um documento de um tempo, uma peça de memória e, acima de tudo, uma prova de que a palavra pode ser tão contundente quanto a ação. No fim, os versos de Lessa nos lembram que a história não pertence aos que se conformam, mas aos que ousam escrevê-la – seja na política, seja na poesia.

Por Assessoria