GRACILIANO RAMOS: DO INTERIOR À IMORTALIDADE PARTE II
Como Graciliano venceu a depressão?! Escrevendo. “Esforcei-me para distrair-me redigindo contos ordinários e em dois deles se esboçaram uns criminosos que extinguiram as minhas apoquentações”, disse ele. O primeiro conto escrito originou o romance São Bernardo; o segundo, inspirou seu romance Angústia; o terceiro ficou longo demais e nasceu o romance Caetés, lançado em 1933. Para Torralbo Gimenez quem deseja conhecer o conjunto da obra de Graciliano não pode descuidar do seu livro de estreia, porque embora ele não esteja no nível dos posteriores, Caetés já traz “os germes de um projeto literário ímpar”.
Antes de ver seu primeiro romance publicado, Graciliano Ramos se tornou prefeito de Palmeira dos Índios, apaixonou-se e casou com Heloisa. A escolha do seu nome para gerir a cidade se deu em razão da sua performance como presidente da Junta Escolar, um cargo sem remuneração. Somado a isso desfrutava da amizade dos Cavalcanti que, há quatro décadas, dominava a política da cidade. Graciliano não participou da campanha eleitoral. Anos depois ao comentar sua vitória teria dito: “Fui eleito naquele velho sistema das atas falsas, os defuntos votando”.
Logo depois de assumir a prefeitura com o cofre quase vazio, 1928, viu que sua tarefa não seria fácil. O novo prefeito tinha planos administrativos, mas sem recursos a realização deles não seria possível. Aumentar a arrecadação era a saída. Assim, passou a ser rigoroso na cobrança de impostos, impôs o pagamento imediato das dívidas atrasadas e retirou as isenções fiscais que beneficiava grandes proprietários. Isso desagradou sobremaneira a elite de Palmeira dos Índios. Cartas anônimas, cheias de ameaças, passaram a ser encontradas na porta de sua loja.
O novo prefeito também estava disposto a manter a cidade limpa e para isso, além do recolhimento do lixo acumulado, era necessário prender animais criados livremente. Insatisfeitos com isso, os donos dos bichos os libertaram. Como resposta, numa decisão polêmica, Graciliano ordenou que os animais encontrados nas ruas fossem mortos e os donos reincidentes multados. Sebastião Ramos, seu pai, não atendeu as ordens e foi multado. Inconformado com a situação, teve de ouvir de seu filho: “Prefeito não tem pai. Eu posso pagar sua multa. Mas terei de apreender seus animais toda vez que o senhor os deixar na rua”.
Engana-se, entretanto, quem aposta ter sido Graciliano dono de um coração endurecido. Prova disso é que ao cruzar com Heloisa Medeiros, em dezembro de 1927, perdeu o sossego: “estou numa situação dos diabos, minha filha, por tua causa. Devo repetir-te que te amo como um doido”? O enamorado só reencontrou a paz quando seu pedido de casamento foi aceito.
Heloísa ainda não tivera tempo para se apaixonar e o casamento já estava marcado dois meses depois do casal ter se conhecido. Mas, haveria algum padre que os casassem sem exigir a confissão do noivo?! “Não quero ajoelhar-me aos pés de ninguém”, disse Graciliano. Padre José Leite, primo de Heloísa, fez a celebração do matrimônio dispensando o nubente da obrigação de revelar seus pecados.
Com o tempo, a amada se apercebeu de como era tratada com fineza por aquele sertanejo. Graciliano, apesar de seu humor variar bastante, com ela, era muito gentil. Ela era a Ló, sinhá Ló, Lozinha ou Lozíssima para ele.
Agora casado com a mulher amada, Graciliano se voltou quase integralmente para a administração do município, mesmo porque a Loja Sincera estava em quase falência. Além das inúmeras realizações na gestão municipal, os relatórios de prestação de conta enviados ao Governador Álvaro Paes, chamaram a atenção da imprensa, no Brasil inteiro, pelo seu estilo paraliterário, escrito numa envolvente linguagem coloquial, sem deixar de ser objetivo e conciso. “Empedrarei, se puder, algumas ruas. Tenho também a ideia de iniciar a construção de açudes na zona sertaneja. Mas para que semear promessas que não sei se darão frutos? Relatarei com pormenores os planos a que me referia quando eles estiverem executados, se isto acontecer”.
Alguns jornais veicularam na íntegra o primeiro relatório. O segundo foi publicado no Diário Oficial acompanhado da mensagem do Governador: “a administração de Palmeira dos Índios continua a oferecer um exemplo de trabalho e honestidade, que coloca o município em uma situação de destaque”.
Em março de 1930, o Governador convidou Graciliano para assumir a direção da Imprensa Oficial do Estado. Austeridade, honestidade e realizações, marcas reconhecidas de sua passagem pela Prefeitura de Palmeira dos Índios, estenderam-se para sua atuação neste cargo e na direção da Instrução Pública, assumida posteriormente. Mas também as decisões polêmicas – Por que Graciliano proibiu a execução do Hino de Alagoas, nas escolas?
Fonte: Jornal do Interior/ Lúcia Barbosa