24 de novembro de 2024

São Domingos, o time que revirou o futebol alagoano

Time do São Domingos em 1971. Em pé: Isnar; Catatau, Major, Dodô, Zé Leite e Clóvis; agachados: Giraldo, China, Reinaldo, Mário e Canhoteiro - Foto: Arquivo pessoal

Certa vez, o jornalista pernambucano Geneton Moraes Neto (1956-2016) asseverou: “uma das funções do jornalismo é produzir memória”. E para além de trazer diuturnamente a seus leitores os fatos do cotidiano — como cabe a um diário de notícias — a Tribuna cumpre também um de seus objetivos: a de também produzir reportagens que joguem luz sobre a história, como sugere Geneton e, algumas vezes, até a ressignifiquem.

Em respeito a essa história — e atendendo também solicitações de alguns leitores — trazemos à baila, nesta sexta-feira (31), uma das mais belas páginas escritas dentro dos gramados por essas bandas, especificamente no futebol. O personagem é o São Domingos, a simpática equipe formada da cabeça do lendário e apaixonado por futebol, o empresário Miguel Spinelli, que contratou alguns “forasteiros” egressos do interior de São Paulo e de Pernambuco, principalmente, e que nos primeiros anos da década de 1970 encantou a torcedores de diversas cores, sendo até mesmo o segundo time do coração de muitos torcedores de times alagoanos, mesmo dos tradicionais e longevos, como CSA e CRB.

O “Domingão”, como era também carinhosamente chamado, exibia um futebol vistoso, ofensivo e que alguns chamam de “futebol-arte”, um termo bem apropriado para aqueles tempos em que se praticava aquilo que também se chamava de “futebol romântico”.

Empresário Miguel Spinelli, o homem que montou o time que marcou o início da década de 1970 e transformou o São Domingos no segundo time de quase todo torcedor alagoano e que desbancou os tradicionais CSA e CRB (Foto: Arquivo pessoal)

E mal comparando e guardadas as devidas proporções (e com algum exagero compreensível), o Domingão, segundo quem o viu atuar, jogava algo parecido como a seleção brasileira de 1982, que encantou o mundo na Copa da Espanha, mas não abocanhou o tão sonhado título mundial. O São Domingos não foi campeão alagoano, mas está até hoje no coração dos torcedores que testemunharam aqueles tempos.

Neste material, o leitor terá oportunidade de rever alguns personagens que viveram aquela época e imagens de ídolos que deixaram um legado de um certo romantismo dentro das quatro linhas dos gramados por essas plagas.

Boa leitura!

O poderoso Miguel Spinelli (primeiro à dir. de óculos) ao lado do técnico Martim Francisco e dirigentes do CSA, em uma reunião polêmica que foi parar na Revista Placar (Foto: Arquivo pessoal)

O SÃO DOMINGOS ENCONTRA UM LAR, NASCE O TIME

Era 1964 e um senhor chamado Valdemar Santana, um militar reformado, carioca, ex-jogador do Bangu e do Vasco da Gama, que veio a Alagoas para trabalhar na Marinha, passou a colaborar com o Orfanato São Domingos, um casarão imponente localizado no bairro de Mangabeiras que está lá até os dias atuais.

Fundado a 3 de agosto de 1919, como uma sociedade filantrópica voltada ao acolhimento de menores carentes em regime de internato, o então orfanato São Domingos passou por um reordenamento institucional em 1995, com a implantação do Projeto Ninho de Pássaro, passando a se chamar “Lar” São Domingos.

Ancorado nos fundamentos filosóficos do Lar Fabiano de Cristo (RJ), o reordenamento institucional teve como princípio “nenhuma criança pode ser afastada de sua família por causa da pobreza”, sendo, portanto, extinto o regime de internato e implantado o atendimento em meio aberto a crianças de ambos os sexos.

Celso Spinelli, filho do lendário Miguel Spinelli: aqui com seu filho Miguel Antônio do Nascimento Rabelo ao ver as fotos do avô (Foto: Adailson Calheiros)

Mas voltando aos anos 1960, o fato é que Waldemar Santana conseguiu e formou uma equipe de futebol com os jovens ali internos. Assim, no dia 1º de setembro de 1964 surgia a União Portuária São Domingos, com as cores de Alagoas: azul, vermelho e branco.

A proposta era pôr em atividade os internos do Lar São Domingos, que tinha um campo de futebol com dimensões oficiais. E logo os jovens jogadores foram se destacando nos campeonatos juvenis e a equipe começou a alçar voos maiores, até ser profissionalizada.

Em 1967, o clube conquistou o campeonato estadual juvenil. Um desses jovens revelados no meio daquela garotada não era exatamente um interno, mas se destacou como um dos primeiros jogadores da safra inicial do futuro time profissional que o São Domingos montava. Era Jonas, que a Tribuna encontrou para este material (leia depoimento abaixo).

DE SPINELLI PARA SPINELLI, A SAUDADE DE UM CERTO MIGUEL…

No bairro da Serraria, em Maceió, encontra-se um elo entre o passado áureo do São Domingos de Miguel Spinelli e os dias atuais. O que resta daquela época na casa do herdeiro do empresário são algumas poucas fotos do então presidente que montou aquele time revolucionário, guardadas com carinho por seu filho. Nenhum registro, porém, de jogadores ou da equipe que marcou a década de 1970. Celso Spinelli, filho do lendário empresário Miguel Spinelli, recebeu a Tribuna e foi taxativo: “poxa, que homenagem, não me lembro de ninguém que tenha se interessado em fazer uma reportagem sobre aquele time maravilhoso que papai formou”, destaca Celso. Ao iniciar a conversa, o filho de Celso, Miguel Antônio do Nascimento Rabelo, 13 anos, se posta ao lado do pai e como se os olhos brilhassem ao ver as velhas fotografias do avô, deu certo tom de mistério, ao saber que a Tribuna resgataria um pouco da história do avô Spinelli, que notabilizou jogadores de uma época romântica nos campos alagoanos, como os meio-campistas Pires, Mário, China ou os atacantes Reinaldo, o endiabrado atacante baiano Beijoca, o ponteiro Gabriel e por aí vai, só para ficar nesses…

Celso Spinelli, filho de Miguel, relembrou a trajetória de seu pai desde a profissão de negociante de fertilizantes e empresário até montar um dos mais badalados times da história do futebol alagoano (Foto: Adailson Calheiros)

“Papai chegou a Alagoas no início dos anos 1960, egresso de Pernambuco, como representante comercial. Ele era um viajante que vivia negociando fertilizantes e defensivos agrícolas por todo estado de Alagoas. Ganhou dinheiro na profissão e resolveu chegar em definitivo com a família para Maceió quando arrendou uma empresa chamada Companhia Alagoana de Rações Balanceadas, a CARB”, recorda Celso. “Nessa profissão dele, papai era um cara que soube fazer muitas amizades e um deles foi o seu Murilo Teixeira, que administrava o Lar São Domingos. Como papai era um desportista nato e torcedor do Sport, conversou com seu Murilo para formar um time competitivo do Lar São Domingos e foi aí que tudo começou”, completa Celso.

Uma das definições de fertilizantes é de que são compostos utilizados para a reposição de nutrientes para o incremento da fertilidade dos solos. E foi através de um representante comercial de produtos agrícolas que o São Domingos deu bons frutos, para o bem do futebol.

Foi assim que no início dos anos 1970, Miguel Spinelli começou as tratativas para trazer a Maceió jogadores “estrangeiros” de certo nome no futebol nacional, como o habilidoso China, um pernambucano com passagens nos principais times de Pernambuco, mas com certo cartaz no Palmeiras-SP, e de quem Miguel era grande amigo. Daí para frente, ele foi contratando pernambucanos como os atacantes Bite, Reinaldo, o zagueiro Major, e jogadores que atuavam no interior de São Paulo, como Pires, Gabriel – irmão de Cabralzinho, que gozava de um certo cartaz no Santos, de Pelé.

Volante Zé Leite com o garoto Munizinho, filho do então diretor de futebol do São Domingos, Zé Muniz (Foto: Arquivo pessoal)

Estava formada ali a chamada terceira força do futebol alagoano.

“Na família, eu que acompanhava papai nos campos de futebol”, lembra. “De todos os jogadores, papai era muito amigo de Gabriel e China”, completa Celso. E aquele time de “forasteiros” treinava onde antes existia o campo de várzea e onde situa-se até hoje o Lar São Domingos.

“O PRIMEIRO MILAGRE DO SÃO DOMINGOS”

Bairro do Clima Bom, periferia de Maceió. Foi por lá que a Tribuna encontrou com o ex-lateral-direito Jonas Queiroz, 73 anos, fruto daquela safra que iria compor o primeiro time profissional do São Domingos. Entre uma golada e outra da cerveja que costuma tomar rotineiramente na sua vida de aposentado, Jonas, devidamente paramentado com uma camisa do Domingão, relembra como chegou ao time de Mangabeiras. Em 1968, aquele menino do bairro do Prado tinha 18 anos. Chegou a viajar para Goiás para tentar a carreira de jogador e onde chegou a treinar por um tempo no time do Goiás. “Mas não deu certo. Voltei para Maceió e em 1969 recebi um aviso de um colega: ‘Jonas! Olha, vai ter um campeonato lá em Mangabeiras, no Orfanato São Domingos, vamos pra lá, porque tem futebol’. E fui! Participei de um torneio e seu Waldemar Santana foi meu primeiro treinador”, recorda Jonas, ao acrescentar que quem administrava o Lar àquela época era um senhor chamado Murilo Teixeira.

Jonas, ex-atleta do São Domingos, aponta com orgulho o escudo da equipe que defendeu desde que passou na “peneira” do antigo Orfanato São Domingos entre 1967 e 1970. “Era um timaço!” (Foto: Adailson Calheiros)

Resultado: Jonas conta que foi eleito o melhor jogador desse torneio. “E seu Waldemar se interessou por mim para selecionar para formar um time e fui eleito o melhor daquela garotada na chamada peneira”, completa Jonas, que diz ter começado como zagueiro e depois passou para lateral-direito.

“O primeiro jogo do São Domingos que participei foi contra o CSE, em Palmeira dos Índios, em 1969. Lembro-me de que a manchete na Gazeta de Alagoas foi: ‘São Domingos faz seu primeiro milagre!”, conta Jonas. A tal manchete, conta Jonas, ocorreu porque o novato São Domingos conseguiu empatar por 3 a 3 contra o excelente time do CSE.

Jonas não conseguiu lembrar o time que jogou naquele empate histórico no qual o São Domingos debutava, mas lembrou do time-base que marcou sua memória para sempre dali em diante. Segundo ele, o maior time da história, sem nenhuma modéstia, formava com ele no time: Isnar; Jonas, Pires, Major e Erivaldo; Zé Leite e Mário; Joelzinho, Reinaldo, China e Bite.

O arisco atacante Gabriel (à esquerda); o mascote Sebastião Marinho Muniz Falcão, o “Munizinho”, e o maestro do São Domingos dos tempos áureos, China (Foto: Arquivo pessoal)

Alguns que viram Jonas atuar contaram à reportagem que embora o lateral-direito soubesse jogar, sua outra “habilidade” era a de “bater até no vento”, tipo espanador, quando algum jogador adversário tentava ultrapassá-lo.

CATATAU: “ARMARAM CONTRA NOSSO TIME”

Pouco tempo depois, Jonas praticamente encerrou a carreira por se contundir seriamente no joelho direito, mas Miguel Spinelli tratou imediatamente de encontrar um substituto. Diferentemente da grande maioria dos contratados do São Domingos, que eram “forasteiros”, a solução estava ali, bem pertinho de casa. O dirigente acertou para que o então lateral-direito alagoano José dos Santos, mais famoso como “Catatau”, com ótima passagem no CSA, trocasse o Mutange pelo campo de Mangabeiras. A Tribuna também encontrou o velho ídolo que hoje mora no bairro do Poço, aos 74 anos.

“Ah, que saudades desse time maravilhoso! Eu era o único alagoano do time titular e um dos poucos no plantel”, diz Catatau, ao acrescentar: “o China era nosso grande maestro, um craque”, completa o ex-lateral-direito do São Domingos.

Ex-lateral-direito do timaço do São Domingos, Catatau, um dos poucos alagoanos na equipe, mostra time por qual jogou até 1974: “em 1971, merecíamos ter sido campeões, mas armaram contra a gente” (Foto: Adailson Calheiros)

Questionado sobre a razão de o time do São Domingos ser tão bom de bola e não ter conquistado um título importante, Catatau revela em tom de denúncia: “armaram contra a gente. Inventaram que o Gabriel teria jogado uma partida irregular e deram o título para o CSA no ano de 1971”, queixa-se Catatau. De fato: o Campeonato deste ano foi decidido no “tapetão”. “Nosso time dava espetáculo. Lembro-me de que ganhamos do CSA por 4 a 0, com direito a olé e tudo. Era uma coisa inimaginável naquela época”, conta Catatau, que jogou no São Domingos até 1974, para depois encerrar a carreira.

Outro que teve passagem pelo Domingão foi o ex-atacante José Vergetti, que anos mais tarde se tornou técnico e dirigente de futebol. Egresso do CSA, Vergetti atuou pelo São Domingos já após a era de ouro da equipe de Mangabeiras. “Mesmo sem ser o timaço dos primeiros anos, pude sentir que era especial atuar pelo time, porque muitos torcedores de CSA, do CRB e dos outros clubes tinham uma grande simpatia pelo clube”, ressalta Vergetti.

DOMINGÃO JÁ TEVE O INVOCADO BEIJOCA

Um dos mais irreverentes, controversos, polêmicos e apaixonantes personagens da história do futebol brasileiro também passou pelo São Domingos naquele início de anos 70, comandado por Miguel Spinelli. Ele era atacante e seu nome é Jorge Augusto Ferreira de Aragão, imortalizado para sempre sob a alcunha de “Beijoca”.

Atacante Beijoca passou pelo São Domingos em 1972 (Foto: Acervo Esporte Clube Bahia)

Além do São Domingos, Beijoca atuou no Fortaleza, Sport, Flamengo, Catuense, Vitória, Londrina, Leônico, Sergipe, Mogi Mirim e Guará. Mas foi no Bahia que sua capacidade de fazer gols quanto a de promover polêmicas mais aflorou.

No São Domingos, Beijoca atuou em 1972 e fez nove gols. Sentiram o dessabor das bolas nas redes do polêmico Beijoca: o CSA, na vitória do São Domingos por 3 a 1, quando nesse jogo Beijoca fez 1 gol; contra o Guarany do Poço, o São Domingos venceu por 4 a 0, com dois gols de Beijoca; depois 4 a 1 contra o Dínamo, com um gol de Beijoca; derrota para o CRB por 2 a 1, gol de Beijoca; em seguida, vitória por 2 a 1 novamente sobre o Guarany, um gol de Beijoca; e sobre o ASA, na sua última partida pelo São Domingos, com três gols do polêmico artilheiro na goleada por 4 a 1.

Nos campeonatos de 1971, 72 e 73, o São Domingos foi o terceiro colocado, notabilizando-se como a terceira força das Alagoas e com suas melhores campanhas. “Mas era o segundo time dos torcedores de CSA e CRB”, disse o jornalista Márcio Canuto.

Márcio Canuto na foto, entre o técnico Érick e o dirigente Zé Muniz (dir.) (Foto: Arquivo pessoal)

Em entrevista no ano de 2015, no blog do radialista Walter Luís, Beijoca falou da época que jogou do Domingão. “Lembro-me de que joguei e era uma grande equipe com seu Miguel Spinelli e técnico Hélio Miranda. Jogava China, Gabriel, Caroço, o Pires, e fui vice-artilheiro e o Reinaldo foi o artilheiro. Acredito que naquela época os jogadores eram mais talentosos”, disse o baiano Beijoca, que atualmente é comentarista de futebol em Salvador.

Em 1971 e 1972, de fato, o São Domingos foi o time que mais cedeu jogadores para a seleção alagoana: o zagueiro Major, o lateral-esquerdo Erivaldo, o ponta de lança Mário, o atacante Reinaldo e o centroavante China compuseram o selecionado alagoano.

SPINELLI CAUSA REBULIÇO NACIONAL NA REVISTA PLACAR

O ano era 1973 e o São Domingos continuava sendo uma espécie de “mosca na sopa” e “intrometido” no futebol alagoano (ironicamente, música-título de um dos grandes sucessos do Maluco Beleza Raul Seixas naquele 1973).

Aportava em Maceió neste ano um renomado técnico do futebol brasileiro chamado Martim Francisco. Ao profissional é creditado a invenção do sistema 4-2-4, com o qual comandou o seu primeiro clube, o Villa Nova, de Nova Lima, em Minas Gerais, em 1951. Francisco ganhou campeonatos estaduais com o Atlético Mineiro, em 1953, e com o Vasco, em 1956. Ganhou fama ao recusar uma proposta tentadora para treinar o Barcelona da Espanha. Francisco era chamado de “lorde” por ser descendente de uma família brasileira distinta – seus antecessores incluem figuras históricas como José Bonifácio de Andrada e Silva, considerado o “Patriarca da Independência do Brasil”.

Seu lado intelectual o fez escrever vários livros sobre táticas de futebol, fazendo sucesso, inclusive, no exterior.

Mas Francisco tinha um adversário implacável, apesar de toda cultura acima da média no Brasil: morreu com idade de apenas 54 anos de doenças relacionadas com o álcool.

E foi por causa desse motivo que estourou uma bomba em nível nacional envolvendo Martim Francisco no futebol alagoano.

Mídia local destaca repercussão nacional de caso do São Domingos na Revista Placar (Foto: Reprodução)

O caso tinha como protagonistas o São Domingos, do cartola bem-sucedido Miguel Spinelli, o CRB e o CSA. Uma notícia na Revista Placar, edição de 27 de julho de 1973 trazia na capa a manchete: “Crime em Alagoas, que pena merecem cartolas que embriagam um doente?”

O episódio dava conta de que o técnico teria sido envolvido por cartolas ligados ao São Domingos e ao CSA para assinar um contrato com o São Domingos depois de ter sido cooptado por doses generosas de uísques. O objetivo da empreitada? Dar um “balão” no CRB com quem tinha empenhado a palavra.

A reportagem revela, entre outros detalhes, que Martim Francisco teria sido levado até a concentração do São Domingos, à época no município de Capela, e corrido sério risco de até morrer por causa das doses cavalares de bebida em plena concentração do clube.

Descobertas as artimanhas dos cartolas azulinos e do São Domingos, o episódio tomou proporções tais que a diretoria do CRB emitiu notas de repúdio nas rádios de jornais da época. O então lateral-direito Aguiar, que foi técnico do São Domingos, revelou antes de morrer, em 2014, que estava por trás das denúncias que chegavam à imprensa à época.

Ainda garoto no período em que o São Domingos passou a treinar no município de Capela e onde ocorreu o episódio com Martim Francisco, o jornalista Edmilson Teixeira, capelense, conta que mesmo garoto era um entusiasta daquele time que revolucionou o futebol alagoano. “Lembro-me que pedi autógrafo ao atacante Beijoca, que chegou em Alagoas com muito cartaz. Pense na minha alegria! Minha família saía de Capela de carro para ver o São Domingos jogar em Maceió”, revela o jornalista que, à época, tinha apenas 10 anos.

ZÉ MUNIZ, O DIRETOR QUE RELAXAVA O AMBIENTE

E nessa época de ouro do inesquecível São Domingos montado por Miguel Spinelli quem estava lá como testemunha ocular da formação do elenco e diretor de futebol foi o então jovem José Muniz, ou “Zé Muniz”, 82 anos, como é conhecido. Irmão do famoso governador de Alagoas Muniz Falcão, que sofreu impeachment em 1957, e de família tradicional na política alagoana, Zé Muniz sempre foi muito ligado ao futebol da terra, pois antes mesmo de ser um “cartola” do novato São Domingos, já tinha cartaz por ter exercido essa mesma função nos anos 1960, com o CSA, por onde foi campeão. “O Spinelli conhecia o meu trabalho no CSA e me chamou para trabalhar com ele no São Domingos. E olha, rapaz, era realmente um timaço, um senhor time de futebol”, conta o ex-dirigente do Domingão, mostrando uma foto da equipe posada no recém-inaugurado Estádio Rei Pelé, que à época era mais novo que o São Domingos, pois tinha apenas um ano de inaugurado.

Zé Muniz, encarregado de dar tranquilidade aos atletas na concentração: “muita amizade” (Foto: Wellington Santos)

Demonstrando certa humildade – uma atitude rara em meio à vaidade que impera e tão comum da cartolagem futebolística – ao ser questionado sobre sua participação na formação e montagem daquele time revolucionário e novato no futebol alagoano, Zé Muniz revela: “o elenco montado foi todo mérito do Miguel Spinelli. Foi ele quem fez os contatos e foi ele quem contratou todos aqueles jogadores. Spinelli era quem fazia tudo na administração da equipe. Esse era um verdadeiro amante de futebol”, arremata Muniz, ao sacar da memória a escalação do time-base do Domingão, do goleiro ao ponta-esquerda: Isnar; Catatau, Major, Dodô, Zé Leite (volante) e Clóvis (lateral-esquerdo); Giraldo (atacante), China (volante e atacante), Reinaldo, Mário (meia) e o famoso Canhoteiro (ponta-esquerda).

Como o elenco era grande, no segundo tempo, diz Zé Muniz, o técnico Érick normalmente botava o endiabrado Gabriel no lugar de China, que arrebentava. Antes de Gabriel atuar, quem dava show no ataque era Bite, egresso do futebol pernambucano e depois negociado para o futebol português.

Sobre sua função como diretor de futebol, Zé Muniz conta que era o responsável por descontrair os jogadores e fazer o ambiente ficar leve e levar tranquilidade à rapaziada antes dos jogos. “Eu ficava com eles na concentração que ficava ao lado do campo em Mangabeiras, que era uma casa enorme e que em frente tinha um sítio enorme. Era muito bom aquele tempo e era comum a gente vencer os grandes CSA e CRB com aquele time”, completa o ex-dirigente.

Zé Muniz, na descontração do time antes dos jogos. Em pé: Pires, Reinaldo, jornalista José Carlos Campos, Bite (chapéu), Mário e Major; sentados: Clóvis, Zé Muniz e Zé Leite (Foto: Arquivo pessoal)

Não à toa, nas imagens desta reportagem, Zé Muniz aparece em momentos descontraídos com os jogadores daquele plantel. A paixão por aquele clube que marcou época Zé transmitiu também ao filho, Sebastião Marinho Muniz Falcão, o “Munizinho”, que nesta reportagem aparece como principal mascote da equipe naquele começo dos anos 1970 (ver imagens acima).

Domingão, a paixão nada oculta de Márcio Canuto

Ninguém foi capaz de afirmar se o renomado jornalista Márcio Canuto, 75 anos, torce ou algum dia torceu para CSA ou CRB, na época em que atuou como repórter esportivo por essas bandas, tal o resguardo e cuidado que sempre teve em manter este segredo dos colegas e, principalmente, dos torcedores.

Mas não resta dúvida de que um time Canuto torce sem o menor pudor em revelar. Sim, o São Domingos.

Jornalista alagoano Márcio Canuto em foto mais recente (Foto: Reprodução)

O jornalista alagoano, com passagens em importantes veículos de Comunicação, entre eles a Rede Globo, iniciou a carreira aos 16 anos e já era jornalista profissional ao frequentar as grandes redações de jornais naqueles anos de 1960 e 1970 e relata o que lembra do “seu” São Domingos.

“O Miguel Spinelli, como empresário de fertilizantes, fez brotar frutos maravilhosos ao produzir craques como Mário (meio-campista), Pires (zagueiro), Major (zagueiro), China e o Reinaldo (atacante). E esse tal de Reinaldo era fantástico quando recebia a bola pelo alto e a ‘matava’ vagarosamente até ‘deitá-la’ no peito e chutar. Era um tratamento com a bola como se fosse dar carinho a uma mulher”, filosofa Canuto, ao revelar-se fã de Reinaldo e do time épico do São Domingos.

O elétrico jornalista, apelidado por seus conterrâneos alagoanos como “o repórter mais vezes campeão”, convidado pela Tribuna a lembrar algum fato relevante que tenha o São Domingos como protagonista, na sua passagem como jornalista esportivo naquela Maceió dos anos 1970, mais rápido que um raio e sempre com “o dedo na tomada”, emenda: “foi um jogo entre CSA e São Domingos pela loteria esportiva que fez com que a Rádio Globo do Rio de Janeiro prestasse atenção no locutor Edson Mauro, que era na época da Rádio Gazeta, da qual eu era o chefe da equipe de esportes, e o contratasse”, recorda Canuto.

O diretor da Rádio Globo era Valdir Amaral, então chefe da equipe de esportes e locutor que se notabilizou por bordões que ficaram na história da radiofonia brasileira, como “Indivíduo competente, o…”, – quando algum jogador marcava um gol e ainda “Tem peixe na rede do…”, quando um time levava gol do adversário ou “É fumaça de gol” – quando surgia uma oportunidade clara de gol.

Fato é que por causa de um jogo do São Domingos, o alagoano Edson Mauro está até hoje na rádio carioca.

Por Wellington Santos / Tribuna Independente