23 de novembro de 2024

“Interesse local”: PL em discussão na Câmara de Maceió altera critérios para “batismo” de vias públicas

Câmara Municipal de Maceió / Foto: Assessoria/Arquivo

Em tramitação na Câmara Municipal de Maceió (CMM) desde o ano passado, um Projeto de Lei (PL) de autoria da Comissão de Educação, Cultura, Turismo e Esporte altera os requisitos necessários para o “batismo” de logradouros públicos, vias e obras de artes integrantes do sistema viário urbano da capital, para que seja comprovado o interesse local ou a ligação do nome escolhido com a comunidade.

Na prática, caso aprovada, a lei poderia evitar a denominação de ruas como “Avenida Marília Mendonça”, no bairro Cidade Universitária, por exemplo, e inúmeros casos de logradouros denominados tendo como critério apenas o interesse do autor da homenagem, sem que o homenageado tenha qualquer vínculo com a comunidade e, às vezes, com o próprio município. 

O PL chegou a ser aprovado em primeira discussão na sessão do dia 3 deste mês, na Casa Legislativa, mas o trecho citando a necessidade de “acostar abaixo-assinado ou outro documento idôneo que demonstre a vontade dos moradores da localidade” gerou questionamentos e até alguns embates no Plenário.

Atendendo ao pleito de colegas, o presidente da Comissão de Educação, vereador João Catunda, retirou a matéria de pauta, para que ela seja rediscutida internamente e, se for o caso, receba emendas. A expectativa é que o PL volte ao Plenário, para ser votado em segunda discussão, nesta semana.

Em entrevista ao CadaMinuto, Catunda reforçou que o projeto vem sendo discutido desde o ano passado e atende, também, a uma recomendação do Ministério Público Estadual para a adoção de critérios para nomeação de logradouros públicos, de forma a considerar o interesse da comunidade local  ou a ligação do nome escolhido com essa comunidade.

“Somente nos últimos dois ou três meses recebemos, na Comissão de Educação, mais de 150 projetos para nomenclaturas de ruas e grande parte são nomes de pessoas sem nenhuma representatividade junto àquela determinada região”, explicou o vereador, acrescentando que o intuito da proposta é que os vereadores possam homenagear pessoas que tenham tido contato ou serviços prestados para a localidade, para Maceió ou para Alagoas.

Mudanças

Na justificativa, os vereadores que integram a Comissão, João Catunda, Brivaldo Marques, Cal Moreira e Olívia Tenório explicam que “a proposição visa acrescentar requisitos quando da apresentação de um Projeto de Lei que tem impacto diretamente na vida de inúmeras pessoas”, preenchendo uma lacuna na Lei nº 5.593, de 08 de fevereiro de 2007, “trazendo a população mais perto do Poder Legislativo, acarretando mais segurança e respeito aos maceioenses”.

A Lei nº 5.593 determina em seus artigos 85 e 86, os requisitos para a alteração ou denominação de logradouros públicos, vias e obras de artes integrantes do sistema viário urbano, determinando que é proibido nesses casos: adotar nomes pertinentes a pessoas vivas; adotar denominação igual à estabelecida a outro já existente; e alterar a denominação histórica. É esse artigo, o 85, que o PL busca alterar, para o acréscimo do critério do interesse local.

Já o artigo 86 não sofrerá alteração. Diz ele: “Uma vez conferidas às denominações aos logradouros públicos, vias e obras de arte integrantes do sistema viário urbano, é vedada a sua alteração posterior, salvo nos casos: de confusão entre denominações idênticas para logradouros distintos; e de retorno à denominação histórica tradicional”.

Os vereadores citam que a lei é falha ao não estabelecer como pressuposto a vontade dos moradores da região e questionam: “Como se pode escolher ou alterar uma nomenclatura de logradouro sem levar em consideração a vontade da localidade? Sem oportunizar aos moradores essa escolha? Como pode o Legislativo determinar que tal rua passe a se chamar de “X” sem ao menos consultar os moradores daquela rua, sem saber se é essa a vontade do povo? Ora, aludidas atitudes definitivamente não respeitam o “interesse local” tampouco a coletividade, ferindo assim o significado da função primordial do vereador, que é de representar o povo”.

Prossegue a justificativa: “Não podemos dispor da vida dos moradores a nosso bel-prazer, sem escutá-los, precisamos recordar sempre que, nós, vereadores, como legítimos representantes da população, devemos ouvi-la e agir de forma coletiva e não individual, afinal, não é a nossa vontade que deve prevalecer e sim a do povo que nos confiou o voto. Cabe mencionar, por fim, que não há nenhum prejuízo para os parlamentares, tampouco há usurpação de competência, vez que restou demonstrado que a iniciativa é do Legislativo”. 

Sessão

O PL foi aprovado em primeira discussão, com a relatoria do vereador Leonardo Dias e chegou a ser colocado para votação em segunda discussão, já durante sessão extraordinária, sendo retirado de pauta após intensa discussão.

Por um lado, vereadores questionaram que a proposta poderia limitar as prerrogativas deles ou burocratizar o processo para dar nome às ruas. Por outro, a matéria foi defendida como essencial para evitar “homenagens” sem qualquer vínculo dos homenageados com a localidade, impedindo que o “interesse pessoal do vereador prevaleça sobre o interesse de toda coletividade”, conforme citado pela vereadora Gaby Ronalsa.

Moradores

A dona de casa Maria Oliveira é moradora do bairro Cidade Universitária há mais de 15 anos e disse que não gostou da escolha do nome da Avenida Marília Mendonça. “O que ela fez por nossa cidade, o que ela fez por nossa região para ser homenageada?”, questionou, afirmando concordar com o PL, do qual ela tomou conhecimento por meio da reportagem.

Maria acrescentou que gosta das músicas da artista, no entanto acha que “que poderia ter sido colocado um nome que representasse algo para os maceioenses ou até mesmo para os alagoanos em geral, “pois, aqui temos personalidades, artistas que merecem ser homenageados. Acho certo que sejam colocados critérios para fazer essas homenagens”, concluiu.

Já o estudante universitário Marcelo Alves, que mora no bairro Mangabeiras, também soube sobre a matéria em tramitação na Câmara por meio do CadaMinuto. Assim como Maria Oliveira, ele aprova a mudança proposta pelos vereadores e comentou que, em seu caso, a confusão está no “excesso” de nomes que a rua onde mora possui. 

Marcelo relatou que mora no Jardim Vaticano e a rua possui dois nomes. No mapa aparece identificada como Dr. Carlos Lobo e também como Flavius Durval Lessa. “Essa duplicidade causa confusão, principalmente quando tenho que passar o endereço para que seja efetuada alguma entrega, já que não sei o que vai aparecer na hora da busca. É estranho, mas às vezes fico confuso na hora de passar meu endereço”, comentou.

Para o estudante, se a iniciativa da Câmara de Maceió de “ouvir” os moradores tivesse ocorrido há mais tempo, “muitos absurdos e muitas dores de cabeça” teriam sido evitados para maceioenses de todas as regiões da capital.

Por Vanessa Alencar e Gabriela Flores