24 de novembro de 2024

Mercado discrimina mulheres e paga menos

Conforme estudo divulgado pelo Dieese nesta semana, mulheres ganham, em média, 21% a menos do que os homens - o equivalente a R$ 2.305 para elas e a R$ 2.909 para eles - Foto: Agência Brasil

Apesar dos avanços no debate social sobre a igualdade de gênero, a realidade do mercado de trabalho continua quase a mesma para as mulheres. De acordo com uma pesquisa da Organização Internacional do Trabalho (OIT) divulgada na última segunda-feira (5), a diferença salarial entre homens e mulheres não mudou nada nos últimos 20 anos.

No Brasil, o IBGE divulgou no ano passado que as mulheres recebiam em média 20% a menos que os homens e que isso se mantém mesmo quando se trata de trabalhadores do mesmo perfil de escolaridade e idade e na mesma categoria de ocupação.

Do ponto de vista patronal, o posicionamento público mais comum é contra a discriminação. José Carlos Lyra, presidente da Federação das Indústrias do Estado de Alagoas (Fiea), afirmou que é a favor da igualdade salarial entre os gêneros e que tanto na federação quanto em suas próprias empresas aplica essa política.

De acordo com a própria Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a prática discriminatória é ilegal. Por isso muitas vezes nem sempre é simples compreender a diferença. Às vezes a mulher está em uma função de nome diferente e recebe menos, mas na prática exerce a mesma função, com o mesmo nível de responsabilidade. Aí é preciso um olhar mais treinado para compreender.

Outro problema é a falta de oportunidades para as mulheres. A OIT mensura que 15% das mulheres em idade ativa estão em busca de trabalho, enquanto 10% dos homens estão na mesma condição.

Um estudo divulgado pelo Dieese também nesta semana detalha que as mulheres ganham, em média, 21% a menos do que os homens – o equivalente a R$ 2.305 para elas e a R$ 2.909 para eles. Por setor de atividades, mesmo quando as mulheres eram a maioria, elas recebiam menos, em média.

“Nos serviços domésticos, as trabalhadoras representavam cerca de 91% dos ocupados e o salário foi 20% menor do que o dos homens. No grupamento educação, saúde e serviços sociais, elas totalizaram 75% dos ocupados e tinham rendimentos médios 32% menores do que os recebidos pelos homens”, diz o boletim.

CULTURAIS

Tânia Laurentino, advogada e administradora, acredita que as razões são culturais. “Resultado de um longo processo histórico de desvalorização não apenas da mulher, mas de tudo relacionado ao feminino, incluindo o trabalho. O impacto desta limitação do papel feminino está presente em diversas formas, vai além do rótulo de ‘sexo frágil’, passa pela supressão de direitos como o de estudar, trabalhar, decidir sobre seu casamento ou sobre a maternidade, herdar”.

Segundo Laurentino, especialista em compliance, os avanços são lentos e não lineares, muitos deles resultados de ação política. “Por conta da pressão social no sentido de reverter este quadro, como a lei de cotas de paridade de gênero nos conselhos de administração de grandes empresas, aprovada na França, em 2021. No Brasil, projetos de lei tramitam com este mesmo objetivo”.

Além das leis, ela vê uma abertura das empresas para esta política. “Para além da imposição legal, o mercado vem atuando de forma voluntária para reduzir a disparidade de gênero em relação a salários e posição de poder, exemplo claro são empresas que adotam práticas de ESG [“Environment, Social & Governance” (no português, Ambiental, Social e Governança – ASG)], porque a diversidade é boa para sociedade e também para os negócios”.

Movimentos sociais questionam diferenças oriundas de questões culturais

Rilda Alves, presidente da Central Única dos Trabalhadores de Alagoas (CUT), explica que essa ainda é uma realidade muito presente na pauta da luta das mulheres. “Hoje a gente tem mulheres em setores muito mais preparadas que os companheiros homens na mesma função. Isso ainda é por conta da questão do patriarcado, uma cultura que defende que as mulheres têm que ser desvalorizadas por mais que atuem dentro da sua profissão com capacidade”.

Ela explica que a realidade aqui no Estado reproduz essa lógica. “Em Alagoas é forte isso, têm setores que a gente vê muito, dificuldade em absorver mulheres. A gente estuda, se forma, tem nossas profissões, e muitas vezes fica sem trabalho ou tem que se submeter a ganhar menos que nossos companheiros porque alguém nos coloca como incapacitadas”.
Outro aspecto levantado pela sindicalista foi a questão do assédio. “Chegam muitas denúncias de assédio e violência que as mulheres sofrem no local de trabalho. Isso impede o crescimento da carreira das mulheres, porque, se acontece o assédio diretamente por ser mulher, afeta o psicológico, atrapalha em muito o avanço. Além disso, esse tratamento discriminatório é uma forma de assédio, menosprezando a trabalhadora só por ser mulher. Ela acaba se sentindo inferior, incapaz, desvalorizada”.

O trabalho não remunerado feito de forma quase invisível pelas mulheres também interfere muito no desenvolvimento feminino. Sobrecarregada pelas tarefas domésticas, a mulher tem menos condições de se dedicar ao trabalho externo.

A socióloga Tica Moreno, militante feminista que aprofundou sua pesquisa acadêmica nesta temática, chama atenção para isso. “São majoritariamente as mulheres – e entre elas, as mulheres negras – que cuidam. Todas as pesquisas sobre os afazeres domésticos e tempos para o cuidado em casa mostram isso”.

Ela defende a economia feminista como ferramenta de análise, luta e transformação. “A partir dela podemos compreender não só as dinâmicas de desigualdade que organizam o cuidado, mas também a forma como toda a sociedade depende da imensa quantidade de trabalho e tempo que as mulheres dedicam todos os dias ao trabalho doméstico e de cuidados”. 

Por Emanuelle Vanderlei com Tribuna Independente