23 de novembro de 2024

MPF vai apurar denúncia de crime ambiental na Praia do Francês

Empresas teriam autorização dos órgãos ambientais para explorar areia do terreno doado à igreja, com base numa licença da Prefeitura de Marechal Deodoro - Foto: Edilson Omena

O Ministério Público Federal em Alagoas (MPF/AL) disse que vai apurar a denúncia de crime ambiental na extração de areia no terreno de uma fundação ligada à Igreja Católica, na Praia do Francês, em Marechal Deodoro.

A informação foi confirmada por sua assessoria de comunicação, logo após o MPF receber uma denúncia formal sobre os estragos provocados ao meio ambiente, com a venda de areia, retirada de um dos principais pontos turísticos de Alagoas.

Até então, o MPF não tinha conhecimento do caso, mas com a publicação da reportagem na Tribuna Independente, na sexta-feira (26), sobre a denúncia feita por moradores da região, o órgão ministerial decidiu investigar a legalidade da exploração de areia no local e os danos causados ao meio ambiente.

Em nota à imprensa, o Instituto do Meio Ambiente de Alagoas (IMA) disse que a extração de areia no local tem o aval dos órgãos ambientais porque foi autorizada pela Agência Nacional de Mineração (ANM), “que responde por toda atividade dessa natureza”, com base numa Licença Municipal emitida pela Prefeitura de Marechal Deodoro.

“Para que ocorra a emissão da Autorização por parte da Agência Nacional de Mineração, o empreendedor precisa, obrigatoriamente, entre outros documentos, apresentar a Licença Municipal”, explicou a assessoria técnica do IMA.

O Instituto confirmou que a Braskem compra areia das empresas que exploram o terreno da Igreja Católica e do Sítio Accioly – este último também pertencia ao médico e jornalista Lourival de Mello Motta, que doou a área, cerca de 475 hectares, à Arquidiocese de Maceió, quando faleceu em 1989.

No entanto, o IMA fez questão de frisar que a exploração de areia nesse terreno, que pertencia a Mello Motta, está autorizada. Caso contrário, a areia não poderia ser vendida à Braskem. A mineradora “é obrigada a adquirir quaisquer tipos de materiais apenas de empresas portadoras de licença ambiental”.

Segundo a assessoria de imprensa da mineradora, a areia retirada da praia do Francês estaria sendo usada para tampar os buracos das minas de sal, abertas pela Braskem, para a exploração de sal-gema, em Maceió. Pelo menos cinco bairros da capital alagoana sofreram afundamento do solo provocado pela exploração de sal-gema.

De acordo com o posicionamento do IMA, “não se trata de extração em áreas de dunas e, sim, em regiões de cordões arenosos, que é uma outra composição. Inclusive, merece salientar que o local popularmente conhecido como Dunas do Cavalo Tusso está de fora da área autorizada, pelos órgãos competentes, para extração”.

Segundo a assessoria do IMA, o responsável pelo empreendimento informou ao IMA, no final de 2022, que as ações de recuperação da área seriam iniciadas. “Dessa forma, a extração de areia não está acontecendo nesse momento. Sendo a situação monitorada pela gerência do Monitoramento e Fiscalização do IMA/AL”.

“Exploração está suspensa para recuperação da área”

O Cônego Valfran também confirmou que a extração de areia no terreno está suspensa para a recuperação da área, visivelmente degradada. Ele negou receber o dinheiro pela venda da areia, mas confirmou que a empresa Mandacaru Extração de Areia tem um contrato de exploração do terreno com a Fundação Leobino e Adelaide Motta, organização não governamental ligada à Arquidiocese de Maceió.

Segundo o religioso, o contrato com a Mandacaru já dura mais de 8 anos e só agora, no final de 2022, foi que a empresa recebeu ordem para suspender a retirada e venda da areia, para dar início a um plano de recuperação da área. “Consta no contrato com a empresa de extração de areia a fase de recuperação da área”, garantiu Valfran.

Ao ler a reportagem da Tribuna, sobre a denúncia de crime ambiental, o Cônego Valfran respondeu: “A notícia não corresponde aos fatos e meu nome e boa fama jogados assim ao vento. Não é justo”.

OUTRO LADO

No entanto, em contato com o Cônego Valfran, na manhã da sexta-feira (27), deixamos claro que não nos furtamos a ouvi-lo e que ele tem todo o direito de se defender da denúncia envolvendo o seu nome.

– O espaço do jornal Tribuna lhe foi facultado, mas a notícia da venda de areia, retirada do terreno que pertence a Igreja Católica, na praia do Francês, é verdadeira e foi publicada de acordo com a verdade dos fatos.

Registramos ainda que “se não foi a Braskem quem comprou a areia da Fundação Leobino e Adelaide Motta – dona do terreno e administrada pela Igreja Católica –, mas foram outros os compradores”. A própria Braskem admitiu ter comprado areia desse terreno, que foi doado à Igreja, mas com outra finalidade.

– Outra coisa, o seu nome Cônego Valfran foi citado na matéria porque constava na denúncia de crime ambiental, feita pelo denunciante, que é um morador de Marechal Deodoro, conhece como se deu o negócio e que tem a escritura do terreno.

Disse a ele também que o denunciante sabe que esse terreno foi vendido ao médico Mello Motta por uma pessoa da sua família, um ex-prefeito do município.

– Não fui eu que inventei ou citei o seu nome em vão, seu nome foi pronunciado pelo denunciante e eu tenho como provar.

Disse também a ele que o procurei, ligando mais de uma vez, na sexta-feira, para o seu celular. Para confirmar ou não se ele tinha conhecimento dos fatos, já que a denúncia partira de uma pessoa com conhecimento de causa.

– O senhor diz que não fica com o dinheiro da venda da areia, que o dinheiro da venda da areia vai para a Fundação, que funciona no prédio da Igreja (na Rua Ângelo Neto, no Farol) e da qual o senhor é o diretor financeiro. Como diretor financeiro, contratos, recebimentos e pagamentos, ficam sob sua responsabilidade, então a matéria não mente quando cita o seu nome como administrador do contrato entre a Fundação e a empresa Mandacaru Extração de Areia, para a retirada da areia do terreno há mais de 8 anos.

Encerrei a conversa com o religioso perguntando qual o valor do contrato com a Mandacaru. Quanto a Fundação recebe por mês dessa empresa e quanto já foi arrecadado pela Fundação, ao começo do contrato para cá?

Ele não respondeu, disse que para divulgar essas informações precisaria da autorização do Conselho Consultivo da Fundação Leobino e Adelaide Motta, cujo o presidente é Dom Antônio Muniz.

Como a Fundação é obrigada a prestar contas ao Ministério Público, essa informação é de interesse público. Por isso, disse a ele que o leitor gostaria de saber quanto custou o dano causado ao meio ambiente, com a retirada de toneladas de areia de praia do terreno da Fundação, da qual o ele é diretor financeiro.

AMBIENTALISTA

O ambientalista Alder Flores diz que, se a exploração da área está em desacordo com a licença ambiental, é crime e precisa ser investigada.
“Uma obra licenciada atendeu aos requisitos legais e técnicos estabelecidos no ordenamento jurídico ambiental. Agora se seu funcionamento está em desacordo com o que foi licenciado, aí pode se considerar uma infração ambiental administrativa ou criminal. Se houve dano? A perícia de constatação de dano deve demonstrar”, afirmou o ambientalista. 

Veja na íntegra a nota do IMA sobre extração de areia

“Nota sobre extração mineral em cordão arenoso no município de Marechal Deodoro.

Primeiramente é importante verificar como acontece o licenciamento ambiental de extração mineral. Segundo informações da assessoria técnica do Instituto do Meio Ambiente do Estado de Alagoas (IMA/AL), a extração mineral é inicialmente autorizada pela Agência Nacional de Mineração (ANM), que responde por toda atividade dessa natureza. Para que ocorra a emissão da Autorização por parte da Agência, o empreendedor precisa, obrigatoriamente, entre outros documentos, apresentar a Licença Municipal.

De posse do Requerimento realizado perante a ANM, da Licença Municipal e demais documentações técnicas exigidas pelo IMA, é possível solicitar o licenciamento ambiental junto ao órgão licenciador, conforme checklist disponível no site do IMA/AL no endereço https://www2.ima.al.gov.br/checklists/mineracao-2/.

Seguindo o que preconiza a legislação ambiental, a licença é emitida como uma forma de anuência ao que foi atestado, principalmente, pela ANM.

No caso específico da extração localizada nas proximidades do Trevo do Francês (margem continental da AL-101 Sul), realizada pela empresa Mandacaru, se trata de extração mineral de areia licenciada pelo IMA/AL, conforme os mesmos passos descritos anteriormente. O primeiro deles é o requerimento da Licença junto a ANM. A empresa Braskem, por sua vez, é obrigada a adquirir quaisquer tipos de materiais apenas de empresas portadoras de licença ambiental.

Outro ponto a ser destacado é que não se trata de extração em áreas de dunas e, sim, em regiões de cordões arenosos, que é uma outra composição. Inclusive, merece salientar que o local popularmente conhecido como “dunas do cavalo russo” está de fora da área autorizada, pelos órgãos competentes, para extração.

Todavia, ainda há uma observação importante a ser feita: o responsável pelo empreendimento informou ao IMA, no final de 2022, que as ações de recuperação da área seriam iniciadas. Dessa forma, a extração de areia não está acontecendo nesse momento. Sendo a situação monitorada pela gerência do Monitoramento e Fiscalização do IMA/AL.”

Por Ricardo Rodrigues com Tribuna Independente