28 de fevereiro de 2025

Veto de Lei que indeniza vítimas do Zika vírus penaliza mães de crianças microcefálicas

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Adriana Kelly da Paz Lira

Mãe atípica, pesquisadora, Bacharela em Direito, pós-graduada em Gestão Pública pela UNEAL – Universidade Estadual de Alagoas, Rotariana – Rotary Club de Arapiraca Centro.

Eu gostaria que este artigo fosse escrito por mim, apenas sob a visão de uma mera expectadora, mas, aqui existe uma história real. Em meados de 2015, eu, Adriana Kelly da Paz Lira, grávida de três meses, tive sintomas como: febre, dor nas articulações, mais especificamente nas mãos e pés, dor muscular, manchas vermelhas na pele, erupções cutâneas, e muita coceira no corpo inteiro. A dor de cabeça era intensa e constante, além de uma dor nos olhos, terrivelmente assustadora por detrás dos dois globos oculares. Pouco tempo depois dos sintomas cessarem, assisti reportagens anunciadas nos veículos digitais de comunicação e nos telejornais, tudo falando sobre crianças que estavam nascendo com microcefalia, causada por uma picada do mosquito Aedes aegypti, o mesmo transmissor da dengue e da febre chikungunya, em mães gestantes que tiveram os mesmos sintomas que eu. O vírus Zika se tornou uma epidemia e estava atingindo o cérebro do feto dentro da barriga da mãe, onde o lesionava em várias áreas.

Bernardo, meu segundo filho, nasceu em 2016, com microcefalia! Um susto! Meu mundo caiu! Eu já tinha meu primeiro Filho, Mateus, hoje com seus 14 anos, forte, inteligente e muito saudável. Como eu iria lhe dar com esta situação nova, no mínimo diferente, e desconfortável? Começaram a surgir sentimentos de culpa, angústia, sobrecarga emocional, medo e incertezas, muitas incertezas. Porém, ao mesmo tempo, este meu filho nasceu. Contudo, surgiu, também, uma mãe muito mais forte e resiliente, que até àquele momento eu não sabia que existia em mim. Surgiram várias indagações, pois a epidemia se tornou um grande desafio até mesmo para a medicina mundial, sobretudo, a medicina brasileira. Além da microcefalia (CID Q02), os bebês estavam nascendo com outras deficiências cerebrais. A principal lesão causada pelo vírus Zika é a calcificação do cérebro do feto, umas mais graves e outras mais leves, causando alterações articulares, oculares e outras malformações, problemas cardíacos, entre outros, todos relacionados à transmissão do Zika Vírus da mãe para o feto. E, no nosso caso, conforme laudo médico do meu filho, e relatório disponibilizado pela Rede Sarah de Hospitais de Reabilitação, onde ele passou por várias consultas, avaliações, exames, internação e tratamentos, os impactos causados à saúde dele vão de: Paralisia Cerebral (CID G80.9), Transtorno (distúrbio/atraso) Cognitivo SOE (CID F06.7), e exame positivo para Síndrome Congênita do Vírus Zika (CID P35.9), e até algumas características de Transtorno do Espectro do Autismo, identificadas pela psicóloga da Rede Sarah. Bernardo não anda sozinho, não fala, tem sono agitado, dificuldades cognitivas e motoras, ansiedade e possíveis outras dificuldades que ainda não temos como identificar, apenas o tempo nos dirá. Bernardo faz terapias toda semana, tais como fisioterapia, terapia ocupacional, fonoaudióloga, equoterapia. Tem atividades na escola, numa sala chamada “Atendimento Educacional Especializado” – AEE. Conta também com a atenção de uma psicóloga, além de todo acompanhamento com neuropediatra, pediatra, ortopedista, e exames periódicos de rotina.

O impacto do nascimento destas crianças, teve muito mais intensidade para nós mães. Tivemos mudanças nos nossos projetos pessoais de vida e familiares, assim como no convívio social; impactos econômicos e materiais, como perda de renda devido a cuidadora não conseguir mais trabalhar nem estudar, ou se qualificar para o mercado atual de trabalho (sim, estudos demonstram que quase 100% dos cuidados são feitos pela mãe, e muitas, inclusive, foram abandonadas pelos companheiros e não têm rede de apoio na família e/ou comunidade); renúncia do cuidado de si, modificações dos padrões nutricionais e de sono, níveis altos de estresse, ansiedade, depressão, e no meu caso, em específico, crise de pânico. Sem lazer, sem tempo, os impactos na saúde mental das mães foram destruidores; sem falar no aumento das despesas com saúde, transporte, remédios, tratamentos, cirurgias, entre outros cuidados com a criança, afetando todo o núcleo familiar.

Porém, a partir da epidemia, embora tenhamos acompanhado o despreparo dos serviços públicos de saúde e serviço social para com estes casos, e com toda a repercussão que teve naquele momento, começaram a surgir associações de famílias, associações de mães e crianças afetadas pelo Zika Vírus, ONG’s, e projetos em instituições para tentar acolher e dar um tratamento mais personalizado ao caso em estudo. Dentro desse contexto todo, surgiu também outra luta, através da união das mães de todo o Brasil, para solicitar ao Governo Federal providências para que se torne possível prover melhores condições de vida para estas crianças (mães/família). Em 2015, a então Deputada Federal Mara Gabrilli foi autora de um Projeto de Lei, inicialmente com número PL 3974/2015, na Câmara dos Deputados, dispondo sobre o direito a indenização por dano moral e a concessão de pensão especial à pessoa com deficiência permanente decorrente de síndrome congênita associada à infecção pelo vírus Zika. Passaram-se anos, passando a ser, após aprovado e autuado na Câmara dos Deputados: o Projeto de Lei nº 6064/2023. O projeto foi aprovado por UNANIMIDADE em todos os processos em que uma Lei deve tramitar antes de ser sancionada pelo Presidente da República. E, ao completar 10 anos desde o início do Projeto, neste ano de 2025, no dia 08 de janeiro, a Presidência do Brasil vetou por inteiro a PL6064/2023, com todos os seus benefícios, toda uma luta de mães que buscam por Justiça e Reparação Social.

Agora, lideranças das Associações dos Estados de todo o Brasil, as quais foram afetados pela proliferação do mosquito Aedes aegypti, e que sofreram, e sofrem ainda, prejuízos devido ao Vírus da Zika, encontram-se em Brasília, lutando pela derrubada do Veto da PL6064/2023, enquanto mães e famílias se movimentam em redes sociais e manifestações de todos os tipos para obterem esta conquista tão necessária para a saúde das “Crianças com Microcefalia devido à Infecção Congênita do Vírus Zika”!

Apesar do vírus conhecido como “Zika” ter indícios de sua origem advinda da capital da República de Uganda, onde o vírus foi isolado pela primeira vez em 1947, e tendo recebido este nome devido à região da floresta de Zika, perto de Entebbe, a primeira vez que o vírus atingiu de forma intensa foi na Polinésia Francesa, na Oceania, pois as áreas tropicais são mais propícias para a proliferação do mosquito Aedes aegypti, o qual transmite o vírus através da sua picada.

Segundo estudo conduzido por pesquisadores da Fiocruz Pernambuco, publicado no International Journal of Genomics, o vírus original seguiu viajando, sempre “hospedado” em seres humanos infectados, da Polinésia Francesa até a Oceania e, de lá, viajou até a Ilha de Páscoa, até chegar ao Brasil. Quando houve um surto a partir de 2015, afetando, principalmente, mulheres grávidas e suas crianças que nasceram com microcefalia. E por esse motivo, e tão somente por esse motivo, as mães de crianças, microcefálicas, lutam por uma indenização do Estado, por se tratar de políticas públicas inexistentes, e/ou, políticas inadequadas para a prevenção de uma epidemia e proteção de uma população de mães à mercê das garantias negadas pela presidência da república, quando todo o legislativo reconheceu sua pertinência, sobretudo, a sua aplicabilidade neste caso concreto”.

Grifo da Redação/Carlo Bandeira

É um apelo, é um pedido, é uma exclamação que pulsa nas veias do dia-a-dia dessas mães. O impedimento de seguir livre, com seus planos de vida, enclausuram-se nas tarefas diárias de uma sublime abnegação à vida de um filho, de uma filha, vítimas da negligência de um Estado traçado por uma constituição cidadã, que autoriza o ente público a dar garantias à saúde, e estamos falando, aqui, de saúde plena.

Esta luta revela o que é ser mãe, mãe que entrega a sua vida à vida das crianças que foram condenadas pelo descompromisso, pela falta de agir, pela desobediência civil e política à Carta Magna, a nossa Constituição de 1988, que preconiza cidadania plena.

Aqui vai o nosso apreço, nossa admiração e a nossa torcida pela derrubada desse veto presidencial, para que seja reparado, em parte, a vida que deixou de ser plena, das mães e de suas crianças enclausuradas pela ausência de ação do Governo Federal.