SUA VIDA TEM PREÇO?
Um dos temas ais estudados no mundo é saúde e qualidade de vida. Um importante documento a respeito do assunto, a Carta de Ottawa, afirma que para se ter saúde é necessário possuir renda, habitação, educação, alimentação adequada, além de viver num ambiente saudável onde haja justiça social, equidade e paz. Como ainda não construímos esse paraíso terreno e, portanto, não conquistamos qualidade de vida, é necessário atentar para o que está ocorrendo com as empresas do setor de saúde, no Brasil, porque precisaremos delas.
Sempre que escrevo sobre esse tema algumas perguntas voltam a me afligir: quanto vale a minha vida? Terei capacidade financeira para mantê-la? Confesso-lhes que a atual financeirização das empresas do setor me assusta cada vez mais.
É fato que o elo entre assistência à saúde e setor privado tem raízes seculares no país e abaixo discorro sobre isso. Mas agora o setor atingiu um padrão de acumulação guiado a partir de uma lógica onde os retornos financeiros e seus elementos assumiram a centralidade na organização empresarial, que não existia no passado.
A proteção social no país iniciou com as Caixas de Aposentadorias e Pensões – CAPS dos ferroviários, regulamentada pela Lei Eloi Chaves. Na década de 1930, as CAPs foram sendo substituídas pelos Institutos de Aposentadorias e Previdências – IAPs, organizados como autarquias e incorporados ao Estado.
Neles, as contribuições eram calculadas de acordo com os salários dos empregados, surgindo um sistema composto por institutos com capacidade financeira bastante heterogênea. Havia IAPs com o caixa cheio e capaz de pagar pela assistência de seus beneficiários e existiam IAPs sem recursos para comprar os serviços de saúde. Como consequência passou-se a defender a unificação do sistema.
Em 1967, uniformizaram-se as contribuições e os planos de previdência das diversas categorias com a criação do Instituto Nacional da Previdência Social – INPS. A uniformização encontrou resistência no âmbito de algumas empresas que constituíram caixas de assistência com o objetivo de complementar a assistência oferecida pela Previdência Social.
Além das caixas assistenciais se institucionalizou o convênio empresa que também estabeleceu as normas de funcionamento dos seguros-saúde e foi uma das primeiras fontes de financiamento do setor privado. As empresas receberam incentivos estatais para assumirem a responsabilidade pela saúde dos trabalhadores e ao assinarem os convênios as empresas ficavam isentas do recolhimento das contribuições previdenciárias.
Nesse mesmo período as despesas com assistência médica passaram a ser deduzidas do imposto de renda de pessoas físicas e jurídicas, impulsionando a saúde privada. Logo depois foi criado o sistema da previdência complementar permitindo o uso dos fundos de pensão na oferta da assistência médica. Entretanto, esse mercado apresentou sinais de esgotamento no início da década de 1980, período de recessão econômica. m
Com a escassez de recursos, o setor público que era o principal comprador perdeu a capacidade de absorver a produção. Para se manterem ativas, as empresas desenvolveram estratégias de vendas para consumidores individuais e para empresas dos setores dinâmicos da economia nacional; absorveram a maioria dos profissionais e instituições da área de saúde e ganharam autonomia.
A medicina no Brasil, portanto, se firmou reproduzindo o modelo de produção capitalista da época, subordinando a racionalidade clínica à econômica e atendendo, principalmente, a interesses empresariais articulados com os interesses dos profissionais da saúde, mas nada comparado ao que temos hoje.
O cenário agora é de aprofundamento da financeirização, que se constitui numa enorme ameaça para a universalização da saúde porque possibilita a criação de grandes empresas concentradoras dos serviços e instaladas nas regiões do país de maior renda.
Estas grandes empresas através de fusões e aquisições de empresas menores passam a liderar o mercado de saúde e influenciar as decisões do Estado, contando para isso com a ação de agentes estatais e o uso de fundos públicos, por meio de subsídios e empréstimos
Ademais passaram a atuar na busca de investidores externos, inclusive com capital estrangeiro, e para isso incluíram nos seus objetivos atividades estritamente financeiras, além da participação societária em empresas, algumas fora de sua área de atuação. Tudo isso para dar aos investidores retorno dos investimentos no curto prazo com o aumento do valor de mercado nas bolsas de valores e pagamentos de dividendos.
Assim, no lugar dos cuidados com a construção de um ambiente favorável à promoção, prevenção e recuperação da saúde dos pacientes, os administradores da saúde privada estão de olho na cotação das ações, no montante que será dividido entre os acionistas e na concentração de poder. Diante disso, resta-me perguntar: sua vida tem preço? Você tem condições e disposição para sustentar a ganância alheia? Se não, lembre-se que o SUS existe e precisa de sua voz em defesa dele.
Fonte: Jornal do Interior/ Lúcia Barbosa