Recusa familiar é obstáculo para a doação de órgãos, aponta Central de Transplante de Alagoas
Muito importante e responsável por salvar vidas, a doação de órgãos ainda encontra barreiras com a desinformação, medo e negação de familiares. Dados da Central de Transplante de Alagoas, vinculada à Secretaria de Estado da Saúde (Sesau), mostram que, nos quatros primeiros meses deste ano, foram negadas 57% das entrevistas familiares para autorização de doação de órgãos, após a constatação da morte encefálica.
Esse alto índice de negativas, contribui para que Alagoas, atualmente, tenha 508 pessoas na fila de espera aguardando por um transplante. No total, são 455 aguardando por um transplante de córnea, 44 por um de rim, sete por um de fígado e dois por um de coração. Este ano, foram realizados 20 transplantes, sendo 16 de córneas, dois de fígados e dois de rins.
Aguardando na fila de espera por um transplante de fígado, a nutricionista Thais Firmino, de 28 anos, contou que foi diagnosticada, em 2014, com hepatite autoimune, uma doença crônica em que o sistema imune do próprio organismo ataca as células do fígado, por não o reconhecer.
“Após a descoberta da doença iniciei um tratamento paliativo, pois não havia a necessidade de um transplante. Mas em março do ano passado descobrimos que seria necessário realizar o procedimento e precisava da doação de um fígado. A partir disso, no mês de junho de 2022, dei entrada na fila de transplante”, relembra.
A lista de espera é organizada pela compatibilidade sanguínea, de acordo com o tipo de sangue do receptor e do doador. No transplante de fígado, além da compatibilidade sanguínea, é seguido um critério de gravidade da doença, onde o paciente mais grave transplanta primeiro.
Atualmente a jovem ocupa a terceira posição na fila e realiza exames constantes para acompanhar a evolução da doença. “Nossa posição na fila depende de um Meld [Model for End Stage Liver Disease] e esse Meld tem que estar em 15, caso não esteja com esse valor, saímos da fila. Então quanto mais jovem o paciente, mais rápido, mas tem toda a compatibilidade como peso, altura, idade e o tipo sanguíneo para que não tenha rejeição”, relata Thais Firmino.
A nutricionista ressalta a importância da conscientização dos familiares sobre a doação de órgãos. “A doação de órgãos fala muito de amor ao próximo. É um momento que a gente olha para outra pessoa e diz: não vai servir mais para meu familiar, mas vai servir para outra pessoa. Entendemos que é uma dor para o familiar que perde o ente querido, mas, ao mesmo tempo, é uma alegria, porque se sabe que ele está vivo ali dentro de alguém, que alguém estará recebendo uma vida por meio daquela doação”, conscientiza.
Autorização da Família
A coordenadora da Central de Transplante de Alagoas, Daniela Ramos, aponta que a doação do potencial doador, juridicamente, só pode ser autorizada pela família. E que os números altos de recusa são reflexos de tabus sociais e da falta de conscientização.
“Existe a questão cultural e muitos tabus sobre a morte na nossa sociedade, por isso, é de extrema importância que o potencial doador comunique e conscientize seus familiares sobre a sua vontade de doar. Quando os parentes já sabem dessa vontade, o número de recusa tende a ser menor, pois eles querem realizar o último desejo do seu ente querido”, enfatiza Daniela Ramos.
Recusa Preocupa
Segundo a coordenadora da Central de Transplantes de Alagoas, o número de recusa atual preocupa muito, pois a sensibilização sobre a doação de órgãos é um processo delicado. Ela ressalta que uma das razões para recusa dos parentes em doar órgãos é a falta de conhecimento sobre a morte encefálica, que é um processo irreversível.
Daniela Ramos explica que só após o diagnóstico de morte encefálica, prescrito na resolução 2.173, expedida pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) em 2017, os médicos procuram a família e pedem a autorização para a doação dos órgãos. “É importante dizer que a doação de órgãos acontece quando se há confirmação de morte encefálica e a confirmação precisa seguir alguns procedimentos, que é realizado em três etapas”, ressalta.
A primeira etapa é desenvolvida por um médico habilitado, que faz uma série de exames clínicos e, uma hora depois, outro médico repete todos os exames. O segundo passo é um teste de apneia para ter certeza que o paciente está respirando ou não. E a terceira etapa é um exame de imagem, podendo ser um eletroencefalograma, doppler ou arteriografia”.
Validade dos Órgãos
Se a família autoriza a doação, é dada a largada para um processo que necessita da agilidade dos profissionais. Quando os órgãos são captados, é preciso correr contra o tempo para que cheguem ao receptor. Isso porque, cada órgão tem um tempo de validade. O coração, por exemplo, tem 4 horas, o fígado 8 horas, os rins 24 horas e a córnea dura um pouco mais, 15 dias.
A Central de Transplantes funciona como unidade executiva das atividades do Sistema Nacional de Transplantes (SNT), fiscalizado pelo Ministério da Saúde (MS). “Nós incluímos todos os dados dos pacientes que necessitam de transplante no sistema e nele é gerado um ranking que mostra a ordem de necessidade entre os receptores. Daí entramos em contato com as equipes para que elas acionem os receptores, visando a realização do transplante”, explica Daniela Ramos.
Por Ruana Padilha / Ascom Sesau